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ClickJus: Proposta de cursos online de direito deve ser enfaticamente rechaçada

Isto prejudica o próprio funcionamento da Justiça, à medida que os neófitos na profissão não estarão adequadamente preparados para solucionar os problemas que se colocam no cotidiano.

ClickJus: Proposta de cursos online de direito deve ser enfaticamente rechaçada

Absurdamente, divulgou-se na imprensa nacional que o Ministério da Educação iniciou o processo de avaliação de cursos on-line de direito, a partir do pedido formulado por cinco instituições de ensino, com as visitas aos campi dessas IES. 

O que, de plano, precisa ser enfaticamente rechaçado. É fato incontroverso na comunidade jurídica nacional que o ensino jurídico nos últimos anos sofre intensa massificação e banalização, proliferando-se uma formação de má qualidade, que não está apta para preparar os estudantes para os desafios do mercado de serviços jurídicos, justamente pelo descompasso entre o que é ensinado em sala de aula e as exigências de um cenário globalizado. 

Isto prejudica o próprio funcionamento da Justiça, à medida que os neófitos na profissão não estarão adequadamente preparados para solucionar os problemas que se colocam no cotidiano e, por consequência, vulnera os próprios valores de cidadania e democracia, considerando a essencialidade das carreiras jurídicas para a concretização desses paradigmas. Alguns dados (referentes ao ano de 2013, coletados pelo Núcleo de Metodologia de Ensino da FGV/SP) detalham esse cenário de massificação: (i) 1149 cursos de graduação em direito, 3,6% do total de 32.049; (ii) 880 instituições de ensino que oferecem o curso, 36,8% do total; (iii) 769.889 matriculados, 10,5% do total; (iv) 64.930 alunos (8,4% do total) matriculados em cursos gratuitos e 704.959 alunos matriculados em cursos pagos. 

O modelo de ensino jurídico atual não está adequado para preparar os estudantes para uma realidade que se consolida cada vez mais depressa, exigindo conhecimento interdisciplinar para solução de problemas complexos, o conhecimento sobre o uso e o funcionamento de ferramentas tecnológicas, a capacidade de desenvolverem-se argumentações para serem aplicadas em contextos variados, além de sistematizar informações, criando subsídios para decisões estratégicas. Admitir, nesse contexto, a possibilidade de cursos online (inclusive os híbridos) poderia configurar, em tese, estelionato educacional, porquanto a formação necessária ao profissional jurídico não se coaduna com as limitações de um curso online. Importante lembrar que a graduação em direito é um dos requisitos não apenas para o exercício da advocacia, mas também para o ingresso em carreiras no Judiciário e no Ministério Público.

As dimensões que envolvem esse tipo de formação definitivamente não podem ser reduzidas a um compêndio resumido de vídeos online, especialmente quando as novas tecnologias apontam deficiências ainda mais gritantes nos cursos presenciais hoje existentes. Urgente reconhecer a importância do direito para a justiça, desenvolvimento e valorização da pessoa humana, o que não se coaduna com práticas consistentes na transmissão de informações sobre textos legais unicamente através de comentários superficiais e sinônimos, mas deve se aproximar da organização de um pensamento reflexivo e interdisciplinar, fundamento na prática jurídica, que permita aos estudantes, futuros profissionais, solucionarem problemas, de variadas matizes, por intermédio do estímulo ao raciocínio analítico e a criatividade.

Pensar na possibilidade de existência de cursos online de graduação em direito, junto com a massificação que foi incentivada nos últimos anos atinge e consubstancia violação a própria Constituição Federal e aos valores atribuídos no texto constitucional
aos profissionais jurídicos, tendo em vista a essencialidade para o funcionamento da Justiça. Questionam-se, por isso, quais seriam os critérios de qualidade, os incentivos para construção de uma carreira, os momentos de intersecção entre prática jurídica e
pensamento reflexivo/criativo. Pergunta-se de que maneira iniciativa esdrúxula como esta poderá eventualmente preparar sujeitos para solucionar problemas complexos de um mercado dinâmico e globalizado. 

Wilson Sales Belchior – Graduado em direito pela UNIFOR, especialista em Processo Civil pela UECE, MBA em Gestão Empresarial e mestrando em Direito e Gestão de Conflitos na UNIFOR. Também possui curso de curta duração em resolução de conflitos na Columbia Law School, nos Estados Unidos. Na mesma instituição participou de série de pesquisa avançada. Palestrante, professor universitário em cursos de pós-graduação em diferentes estados e autor de diversos artigos e livros, publicados em revistas, jornais, portais de notícias e editoras de circulação nacional. Conselheiro Federal da OAB (2013-2015). Vice-presidente da Comissão Nacional de Advocacia Corporativa do Conselho Federal da OAB (2013-2015). Membro da Comissão Nacional de Sociedade de Advogados do Conselho Federal da OAB (2010-2012). Membro da Coordenação de Inteligência Artificial do CFOAB (2018). Atualmente é Conselheiro Federal eleito para o triênio 2019-2021.

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