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Após sobreviver à Covid, brasileira está entre cientistas mais influentes do mundo

A médica foi incluída entre os 2% de cientistas mais citados em diversas disciplinas no mundo.

Após sobreviver à Covid, brasileira está entre cientistas mais influentes do mundo

Para a cirurgiã, a sua produção científica reflete a qualidade da medicina e da escola cirúrgica brasileira. — Foto:Reprodução

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) — As mensagens de parabéns não param de chegar no celular da cirurgiã Angelita Habr-Gama, 89, que nesta semana foi reconhecida pela Universidade Stanford (EUA) como uma das médicas que mais contribuíram para o desenvolvimento da ciência no mundo.

“Foi um reconhecimento que eu não esperava. Espero que seja um incentivo para os pesquisadores brasileiros, especialmente para as mulheres. A primeira coisa que a mulher precisa ter é autoconfiança e mostrar isso aos outros. E não aceitar o não como resposta”, diz a professora emérita da USP, em entrevista à Folha em seu apartamento, em Moema (zona sul de São Paulo).

A médica foi incluída entre os 2% de cientistas mais citados em diversas disciplinas no mundo. O relatório foi preparado por uma equipe de especialistas liderada por John Ioannidis, professor de Stanford, em parceria com a editora Elsevier BV.

Angelita é uma das pesquisadoras brasileiras mais premiadas e publicou mais de 200 artigos científicos em revistas indexadas na base de estudos PubMed.

Para a cirurgiã, a sua produção científica reflete a qualidade da medicina e da escola cirúrgica brasileira. 

“É pena que o país não valoriza a ciência, a cultura, a educação. As verbas, que já eram poucas, estão diminuindo ainda mais. Você viu que nesta semana cortaram mais verba da cultura? Fora daqui, você já tem vergonha de dizer é brasileiro.”

A premiação chega dois anos após a cirurgiã ter contraído Covid-19 e passado 50 dias sedada na UTI do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, instituição à qual é vinculada há mais de 60 anos.

“Cheguei ao hospital, fiz a tomografia e os pulmões estavam inteirinhos tomados. Quando os colegas viram, aposto que disseram: ‘Ah, agora a doutora vai’. E eu pensei: ‘Vou morrer, mas vivi uma vida muito boa, consegui o que eu queira e o que nem imaginava’. Fui sedada imediatamente e me lembro que a última coisa que eu pensei foi: ‘Eu não quero morrer.”

Após a alta, ela diz que retomou as atividades em dez dias e não parou mais. Continua atendendo no consultório e operando. Após a internação, acrescentou à rotina aulas de xadrez às quartas no Clube Paulistano. No passado, ela jogava voleibol e tênis no mesmo clube, período em que participou de campeonatos e colecionou várias medalhas.

“Eu gosto de disputa. Sempre gostei de disputar desde pequena. Mas eu sei perder também, acho uma delícia quando o adversário é melhor do que eu. Mas quando [o adversário] é mixo e eu perco de bobeira, aí eu me chateio.”

Hoje, ela diz que foi uma “experiência boa” passar por uma quase morte devido à Covid porque aprendeu a valorizar ainda mais a vida.

“Usufruo a vida, não deixo passar nada. Eu desfruto do dia a dia, desfruto da minha casa, desfruto da comida, desfruto da companhia dos parentes e dos amigos, desfruto dos jornais, desfruto das revistas.”

Casada com o também cirurgião Joaquim Gama, a médica acredita ter herdado da mãe a imensa vontade de viver. “Minha mãe morreu com 97 anos. Ela me dizia: ‘Você vai a tantos congressos médicos. Eu não quero morrer. Tenho tanta coisa ainda para fazer!’ Acho que vou ser como ela. Quando tiver que morrer, vou morrer sob protestos.”

Segundo Angelita, a perda de entes queridos, como os pais, cinco dos seis irmãos e vários amigos, é principal a dor que carrega. “O [empresário] Antônio Ermírio de Moraes [1928-2014] era meu amigo, meu grande amigo. O [jornalista] Julio Mesquita [1922-1996] era outro amigo querido. Agora eu entendo porque muita gente fica triste quando envelhece. Você vai perdendo os amigos da sua geração, perde as referências.”

Ao mesmo tempo, a cirurgiã adora se cercar de pessoas mais jovens, como os seus assistentes e os sobrinhos-netos.

“Saímos com eles, vamos jantar fora, viajamos. Com os sobrinhos-netos e os amigos deles, todos com 25, 30 anos. Eles me chamam de tia Gê. Não saio com os meus amigos velhos. As conversas são sempre as mesmas: ‘Dói aqui, dói ali’.”

Sobre eventuais projetos futuros, a médica diz que o principal é continuar vivendo bem o dia a dia. “Quem passa pela morte como eu passei não faz muitos projetos. Sabe que você pode morrer daqui a pouco. Se você faz muitos projetos, está perdendo o momento, o dia de hoje.”

Nascida na Ilha de Marajó (PA), Gama entrou na Faculdade de Medicina da USP em 1952, aos 19 anos. Já ganhou mais de 50 prêmios científicos e é uma referência mundial em coloproctologia, especialidade que cuida das doenças do intestino grosso, do reto e ânus.

Desde a chegada à faculdade, Angelita coleciona pioneirismos. É a primeira mulher titular em cirurgia da USP, a primeira a ser aceita pela sociedade americana de cirurgia e a primeira premiada pela sociedade europeia de cirurgia.

Além disso, exerceu a presidência da Sociedade Brasileira e da Sociedade Latino-Americana de Coloproctologia e do Colégio Brasileiro de Cirurgia Digestiva.

Pouco antes de ser infectada pela Covid em 2020, a médica lançou a biografia “O Não Não É Resposta” (DBA Editora), escrita por Ignácio de Loyola Brandão. Na obra, ela relata as barreiras enfrentadas e as realizações na área cirúrgica, ainda hoje uma das com menor número de mulheres.

“O primeiro ‘não’ que eu ouvi foi dos meus pais, quando optei pela medicina e eles queriam que eu fosse professora, como minhas irmãs. Depois, quando decidi pela cirurgia, o chefe da residência disse que era melhor eu ir para a área clínica, que a cirurgia era para homens. Fui em frente, prestei concurso e passei.”

Quando decidiu pela especialidade de coloproctologia voltou a enfrentar resistência. Após conseguir uma bolsa para estagiar em um hospital de Londres especializado em cirurgias colorretais, foi barrada inicialmente sob o argumento de que a instituição só aceitava homens. “Fui a primeira mulher a estagiar lá.”

Ao entrar para o mercado de trabalho, as coisas se tornaram mais simples, segundo ela. “Sempre trabalhei em pé de igualdade, no mesmo nível de trabalho dos homens, ou até mais”, afirma.

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