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Faculdade de medicina da Santa Casa suspende professor que usou ‘blackface’ para mostrar como conversar com pacientes pobres

Professor disse que não tinha intenção de expor conteúdo racista: 'inocente e infeliz' escolha.

Faculdade de medicina da Santa Casa suspende professor que usou 'blackface' para mostrar como conversar com pacientes pobres

Alunos pediram providências ao Núcleo de Direitos Humanos da instituição e residentes já fizeram reclamação à Comissão de Residência Médica. — Foto:Reprodução

A Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa suspendeu, nesta sexta-feira (9), o professor de medicina Ronald Sergio Pallotta Filho, que usou uma máscara preta para mostrar aos alunos do 1º ano do curso de medicina, em São Paulo, como se relacionar com pacientes pobres no consultório. A prática, conhecida como “blackface”, é considerada racista e ocorreu durante aula ministrada na terça-feira (6), pela internet.

O professor afirmou ao G1 que não tinha intenção de “expor conteúdo racista” e que uso da máscara foi uma “inocente e infeliz escolha” (veja nota completa abaixo).

A faculdade afirmou que apura o caso em uma sindicância interna por 60 dias e deve ouvir a defesa do professor e depoimento dos alunos. A Santa Casa, onde ele trabalha como médico no hospital, não informou se ele foi suspenso dessas atividades.

Em nota, a instituição afirma que repudia ações racistas.

“A instituição informa que repudia veementemente qualquer ação de cunho sexista, racista ou preconceituosa. Foi instaurada pela direção da faculdade uma sindicância interna para apuração dos fatos, que pode resultar, de acordo com o Regimento Interno da Faculdade, no afastamento do médico envolvido. A sindicância, que assegura ao médico o exercício da ampla defesa e do contraditório, tem a duração máxima de 60 dias. Durante a sua duração, o professor está suspenso de suas atividades didáticas”, diz a nota.

A instituição informou ainda que “a direção da Faculdade também comunicou o Núcleo de Direitos Humanos e Combate à Intimidação Sistemática (Bullying) da instituição, para as providências que essa instância julgar necessárias.”

Aula

Os alunos filmaram a tela do computador. Segundo o professor, foi uma “encenação teatral”. Na imagem é possível ver que o médico usa uma máscara preta e fala de forma jocosa simulando um paciente do Sistema Único de Saúde (SUS).

“Eu não como essas comidas de fraco aqui do SUS, não, sabe? Eu não como, não. Eu como comida de macho, de macho. Você está entendendo?”

Os alunos preparam uma representação formal para o Núcleo de Direitos Humanos da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo. Eles também querem levar o caso ao Conselho Regional de Medicina de São Paulo (Cremesp).

O tema da aula, segundo os alunos, é propedêutica (ensinamentos básicos e preliminares de uma disciplina). De acordo com um aluno, o objetivo da aula é mostrar como a boa relação entre médico e paciente pode facilitar um diagnóstico.

“O paciente não tem conhecimento técnico de um médico, mas é justamente o médico que pode facilitar esse entendimento, uma boa consulta facilita o entendimento do que o paciente está sentindo e permitir que se chegue ao diagnóstico e prescrição do tratamento adequado”, disse um médico residente, que não quer se identificar por temer perseguição por parte do professor.

“Ele dá aula de medicina, de propedêutica, para alunos de 1º e 2º ano e faz uma coisa dessas? Ele também é médico do maior hospital filantrópico da América Latina, será que isso está em concordância com o tipo de atendimento que é feito na Santa Casa?”, disse uma médica residente, que prefere não se identificar por temer represálias.

Ainda segundo ela, o médico é conhecido pela falta de educação no trato com os colegas e residentes. “Ele é muito arrogante e autoritário. Não aceita ser questionado, mesmo quando não está sendo questionado, basta fazer alguma argumentação técnica que ele perde a compostura”, disse ela.

O G1 ouviu outro médico residente que relatou abuso de autoridade. “Em um ambiente de enfermaria ele exige, da forma mais rude possível, imediatismo em questões burocráticas do atual plantão e de plantões passados. Esse tipo de atitude abusiva e grosseira dele é corriqueira”.

Esses e outros questionamentos sobre a conduta médica por parte de Ronald foram levados para a Comissão de Residência Médica (Coreme).

A Santa Casa de Misericórdia de São Paulo declarou em nota que “o profissional citado é médico na instituição. “Verificamos junto a Coreme [Comissão de Residência Médica] e não houve o recebimento de denúncias. Abriremos uma investigação interna sobre o caso relatado, pois até o presente momento desconhecíamos o teor desta denúncia. A Santa Casa de São Paulo repudia qualquer tipo de atitude discriminatória, machista e sexista.”

Íntegra da nota do professor Ronald Sérgio Pallotta Filho:

“Antes de mais nada, gostaria de esclarecer todo o ocorrido, deixando claro desde já que, embora não tenha sido minha intenção, se alguém interpretou minha conduta como ofensiva, peço desculpas.

Sou médico formando pela Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa desde 1989, professor e médico de diversos hospitais, inclusive públicos.

No que diz respeito à aula por mim ministrada, a qual é objeto de questionamento, jamais tive a intenção de desrespeitar quem quer que fosse em razão da raça, nível social ou por qualquer outra característica com utilização da máscara na representação que tentei fazer.

A aula que estava sendo exposta aos alunos deveria ser presencial e prática, diretamente com pacientes; por tal motivo me posicionei como ‘ator’ para melhor entendimento dos alunos, acrescendo conteúdo lúdico à explanação.

Em nenhuma hipótese tive a intenção de expor qualquer conteúdo de índole racista e sequer era familiarizado com o conceito de “blackface”, sobre o qual fui procurar me informar após a repercussão negativa. Ao compreender o que isso representa hoje, me sinto constrangido, mas ao mesmo tempo reafirmo que jamais tive a intenção de ofender. Trata-se de inocente e infeliz escolha.

A utilização da máscara tinha por finalidade apenas demonstrar que se tratava de uma encenação, sem qualquer referência à raça do personagem que tentei no meu amadorismo representar.

Tenho 30 anos de medicina, boa parte deles prestando atendimento aos menos favorecidos financeiramente e em situação de vulnerabilidade social em hospitais públicos, onde sempre escolhi exercer minha profissão por convicção sobre o papel do médico na vida das pessoas. Nunca medi esforços para dar o melhor atendimento que estava ao meu alcance, inclusive durante a pandemia de Covid-19.

Em relação às demais queixas de abuso de autoridade, falta de cordialidade, falta de educação e assédio durante o meu trabalho, para mim é uma surpresa esse tipo de colocação, já que nunca passei por qualquer procedimento disciplinar ou fui repreendido em razão de qualquer comportamento incompatível com a posição que exerço. Pelo contrário, sempre fui reconhecido tanto profissional quanto pessoalmente em todos os lugares por onde passei.

Por fim, quanto aos comentários a respeito de supostos distratos cometidos por mim e exigências feitas em minha atuação no pronto socorro, esclareço que não clinico em serviço de emergência, o que demonstra as inverdades de tais acusações.”

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