Brasil

Governo tenta abrir investigação sobre médicos que fizeram aborto legal em criança vítima de estupro

Aborto é permitido em caso de estupro. Menina de 11 anos estuprada fez aborto no mês passado em SC por recomendação do Ministério Público. Governo diz defender a vida 'desde a concepção'.

Governo tenta abrir investigação sobre médicos que fizeram aborto legal em criança vítima de estupro

Vítima de estupro, a menina descobriu que estava na 22ª semana de gravidez ao ser encaminhada a um hospital de Florianópolis, onde teve o procedimento de aborto negado. — Foto:Reprodução

O Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos pediu investigações e fez representações contra os médicos responsáveis por realizar aborto legal na criança de 11 anos que ficou grávida após ter sido vítima de estupro em Santa Catarina.

A pasta também agiu para a abertura de investigação do site The Intercept, “por veicular as imagens e o áudio do depoimento especial sigiloso” da criança à Justiça — o The Intercept e o Portal Catarinas foram os primeiros a revelar o caso.

“O Intercept não tem conhecimento ou foi notificado a respeito de qualquer solicitação envolvendo o site. Além disso, nossa reportagem respeitou a legislação brasileira e está protegida pelo princípio constitucional da liberdade de imprensa”, informou o site.

Vítima de estupro, a menina descobriu que estava na 22ª semana de gravidez ao ser encaminhada a um hospital de Florianópolis, onde teve o procedimento de aborto negado.

Segundo a lei, o aborto é permitido nos casos em que a gravidez decorre de estupro ou quando há risco à vida da gestante.

A juíza Joana Ribeiro, responsável pela decisão que inicialmente negou a interrupção da gravidez da menina de 11 anos é hoje alvo de investigação sigilosa no Conselho Nacional de Justiça (vídeo abaixo). O Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos não pediu que a juíza fosse investigada.

Após a repercussão do caso e recomendação do Ministério Público Federal, a criança conseguiu realizar o aborto no mês passado.

Para o médico obstetra Olímpio de Moraes, a tentativa do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos de pedir investigação dos médicos tem por objetivo impedir que as mulheres — principalmente as mais carentes — tenham acesso aos seus direitos.

Diretor do Centro Integrado de Saúde Amaury Medeiros, hospital referência em saúde da mulher em Pernambuco, Moraes já lidou com pressão de grupos contrários ao aborto, mas nunca com ações do governo federal.

“O médico procura fazer o melhor. É uma situação que causa estresse. É uma tentativa do governo para aparelhar o Ministério Público, o conselho tutelar, para obstruir as mulheres de terem acesso a um direito”, afirmou.

Ministério tenta punir médicos

A TV Globo teve acesso a documentos que mostram o início da movimentação do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos contra os médicos, um dia depois de a criança ter sido submetida ao aborto.

Em 23 de junho, a pasta enviou aos conselheiros tutelares catarinenses um ofício lembrando que o órgão tem a “atribuição de proteger a criança e todos os seus direitos humanos fundamentais, especialmente a vida desde a concepção”.

No ofício, o ministério também orienta os conselheiros a atuarem em relação ao vazamento das informações sobre a audiência judicial da criança, divulgada pelos sites, e sobre o estupro. Mas não há menção às ações da juíza do caso e que estão sob investigação.

No mesmo dia, a Secretaria Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente pediu à Consultoria Jurídica do ministério que atue no tema. No documento, argumenta que há necessidade de proteger a criança devido aos vazamentos de informações.

Entretanto, ao concluir, a secretaria solicita à Consultoria Jurídica que peça ao Ministério Público para “apurar a responsabilidade cível e criminal da equipe médica que realizou o procedimento de aborto na 29ª semana de gestação”.

O pedido também inclui a solicitação para que o órgão acionasse os conselhos Federal e Regional de Medicina, “a fim de apurar a conduta ética da equipe médica que realizou o procedimento de aborto na 29ª semana de gestação”.

Embora a solicitação de pedido de investigação ao MP tenha sido feita à Consultoria Jurídica, o órgão informou que a responsabilidade é de outra área do ministério, a Ouvidoria Nacional dos Direitos Humanos (ONDH).

Em nota, a Ouvidoria afirmou: “A ONDH agiu de ofício, bem como a partir de denúncias, diante da notícia de violação de direitos de criança e adolescente, na qual figura como vítima menor de onze anos de idade, então grávida de 29 semanas de gestação, que, ao recorrer à tutela judicial, ao invés da proteção almejada, teve a exposição de seu caso em mídias sociais e veículos de comunicação”.

Sobre as ações efetivamente tomadas, a Ouvidoria informou ter atendido aos pedidos da secretaria e solicitado investigações sobre os médicos para o Ministério Público e para os conselhos de medicina.

A ouvidoria informou ainda que também pediu providências a outros órgãos, incluindo o Instituto Geral de Perícias, o Conselho Nacional do Ministério Público e o Hospital Universitário Polydoro Ernani de São Thiago, onde foi realizado o aborto.

Nesta quinta-feira (14), em entrevista no Maranhão, o presidente Jair Bolsonaro protestou contra a realização do aborto na criança. “Nós, cristãos, entendemos que a vida começa na concepção. Igual vimos há poucas semanas aquele absurdo de fazer um aborto. Era uma menina, sim, mas de 7 meses de vida aquela criança, um absurdo”.

Nota de esclarecimento
Sobre as notícias veiculadas nesta sexta-feira (15), as quais afirmam equivocadamente que o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos “pediu a punição dos médicos envolvidos” no aborto a uma criança de sete meses, em Santa Catarina, esclarecemos:
Sobre as notícias veiculadas nesta sexta-feira (15), as quais afirmam equivocadamente que o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos “pediu a punição dos médicos envolvidos” no aborto a uma criança de sete meses, em Santa Catarina, esclarecemos:
1. O pedido de apuração sobre o caso partiu da própria população. Foram mais de 300 denúncias registradas pela Ouvidoria Nacional dos Direitos Humanos, por meio do Disque 100, entre os dias 23 e 24 de junho deste ano. Encaminhar e pedir a averiguação aos responsáveis não é conduta eletiva deste órgão, mas uma obrigação institucional (Art. 26, II, Portaria MMFDH nº 89/2022).
2. A Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos, em sua missão, não faz juízo de valor sobre a informação apresentada pelo cidadão. Nesta linha, oficiou aos órgãos responsáveis de acordo com a demanda apresentada pelos denunciantes, como é de praxe.
3. Todos os procedimentos de apuração e investigação são prerrogativas constitucionais e democráticas para todos os envolvidos, tendo em vista ser este espaço, o da apuração, o adequado para a apresentação de evidência, expostas à ampla defesa e o contraditório.
4. Neste sentido, informamos que foram provocados os órgãos do Sistema de Justiça e o Conselho Regional de Medicina do estado com o objetivo de responder às demandas apresentadas pelos denunciantes e pela ampla elucidação dos fatos.
5. Rechaçamos qualquer tentativa de colocar esta Pasta contra a classe médica, integrante do Sistema de Garantia de Direitos e parceira deste Ministério, ou qualquer outro segmento profissional.

Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos

COMPARTILHE

Bombando em Brasil

1

Brasil

Corpos encontrados em barco no Pará serão sepultados nesta quinta-feira

2

Brasil

Comissão da Câmara aprova projeto que autoriza estados a legislarem sobre posse e porte de armas

3

Brasil

Casal gay denuncia empresa que se recusou a fazer ‘convite homossexual’ de casamento

4

Brasil

Ministro anuncia que Anac vai investigar morte de cachorro em voo da Gol

5

Brasil

Planalto envia ministro para conversar com Lira e adiar sessão do Congresso