Ásia

Dez anos após Fukushima, energia nuclear cresce com China e crise climática

E a tendência é de crescimento, puxado pela necessidade do corte mundial de emissões de carbono e pelo ambicioso programa energético da China.

Dez anos após Fukushima, energia nuclear cresce com China e crise climática

Durante seu encontro legislativo anual, chamado de Duas Sessões, o governo de Xi Jinping estabeleceu uma meta de aumento de 27% de sua produção nuclear até 2025. — Foto:Reprodução

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) — Em março de 2011, quando o desastre da usina japonesa de Fukushima horrorizou o mundo, o futuro comercial da energia nuclear foi dado como no mínimo incerto.

A Alemanha anunciou o fim de seu programa de usinas atômicas, o Japão desligou para revisão seus 33 reatores, 3 dos quais tiveram seus núcleos derretidos após o terremoto e tsunami devastadores, grupos ambientalistas se disseram enfim reconhecidos no seu pleito por um mundo sem energia nuclear.

Dez anos depois, após uma queda, a produção mundial de suas usinas nucleares voltou aos índices pré-Fukushima. São 2.750 TWh (terawatts-hora), ante 2.720 TWh em 2010.

E a tendência é de crescimento, puxado pela necessidade do corte mundial de emissões de carbono e pelo ambicioso programa energético da China.

Durante seu encontro legislativo anual, chamado de Duas Sessões, o governo de Xi Jinping estabeleceu uma meta de aumento de 27% de sua produção nuclear até 2025.

Das 53 usinas em construção em todo mundo, segundo a Associação Nuclear Mundial, o maior contingente (11) é chinês. Em 2020, havia 441 reatores civis em operação no planeta.

O plano é considerado central para a ambição chinesa de atingir o máximo de sua emissão de carbono em 2030 e ser um país neutro no quesito em 2060. O tombo da economia mundial com a pandemia é visto como uma oportunidade de rearranjar a casa no clima.

É o país mais poluente do mundo, segundo dados da Agência Internacional de Energia em 2020, responsável por 28% do despejo mundial de CO2 na atmosfera -os EUA vêm em segundo lugar, com 15%.

É o preço de ter virado uma das fábricas do mundo: de 1990 para cá, a emissão de carbono cresceu 356% no país, a segunda maior economia do mundo atrás dos EUA.
Hoje, apenas 4,7% da eletricidade consumida na China tem origem nuclear, sendo que 2/3 da energia do país vem do ultrapoluente carvão.

A terra do presidente e ativista climático Joe Biden, por sua vez, tem 19,4% de sua eletricidade oriunda de 94 usinas nucleares, maior parque da Terra. A produção anual está estável desde 2010, e fechou 2019 em 830 THh.

Nem todo mundo está feliz com o plano chinês. O grupo ambientalista Greenpeace advoga que o mundo deve focar em energias renováveis, como a solar e a eólica, mas isso esbarra na intermitência natural delas e no custo ainda alto devido à baixa escala.

Uma vez ligado e alimentado, um reator nuclear gera energia virtualmente eterna sem emitir CO2. Claro, a extração e processamento do urânio que usa como combustível entra na conta, mas é uma fração muito baixa em relação a outras fontes poluentes.

Usando fontes abertas sobre mortalidade e acidentes relacionados a fontes poluentes, o site Our World in Data fez uma comparação acerca dos efeitos de matrizes energéticas sobre uma cidade europeia média, com cerca de 188 mil habitantes com o perfil usual de consumo no continente.

Pelas contas, 25 pessoas morreriam prematuramente por ano devido ao carvão, 18 pelo petróleo, 3 por causa do gás. Demoraria 14 anos para alguém morrer por causa da energia nuclear, 29 anos pela eólica, 42 pela hidroelétrica e 53, pela solar.

Ou seja, se aplica às usinas nucleares e sua relação com o entorno basicamente a regra do avião: é um modo muito seguro de transporte, desde que você não esteja dentro de um quando ele cai.

Em conversa com a Folha no ano passado, o diretor da Agência Internacional de Energia Atômica, Rafael Grossi, apontou para essa contradição daqueles que demandam ação efetiva contra a mudança climática associada ao CO2 na atmosfera.

Para ele, a vantagem do nuclear é óbvia. Hoje, cerca de 10% da eletricidade consumida no mundo vêm de reatores nucleares, enquanto 38% vêm de carvão, 23% de gás natural e 16%, de hidroelétricas. Alternativas (biomassa, solar e eólica) somam 7%.

Já como fonte de energia para a economia, o petróleo segue imbatível com 31%, o carvão responde por 25% e o gás, por 23%. O átomo fica com 4% do bolo, atrás de biomassa (7%) e hidroelétricas (6%). Vento e sol originam 3%.

O caso alemão é exemplar do desafio colocado pelo temor de uma nova Fukushima –isso para não falar no pior acidente da história, em 1986 na usina de Tchernóbil (União Soviética, hoje Ucrânia). Em 2010, Berlim era a quinta maior geradora mundial de energia nuclear, com 140 TWh.

Em 2011, o país já havia decidido reduzir sua emissão de carbono. O acidente acelerou o processo de retirada da matriz nuclear, sob pressão da bancada verde no Parlamento, e o plano é desligar as seis usinas remanescentes em 2022.

O problema é que a emissão de carbono se manteve relativamente estável, de 731 milhões de toneladas de CO2 em 2011 para 677 milhões de toneladas em 2018, segundo a Agência Internacional de Energia.

Curiosamente, países em que o movimento ambientalista é forte, como França e Suécia, têm alta dependência de energia nuclear: 71%, a maior do mundo, e 39%, respectivamente.

País onde Fukushima ocorreu, o Japão vem religando suas usinas paulatinamente. Era o terceiro país em produção de energia atômica em 2010, com 286 TWh e 33 usinas. Em 2015, produziu apenas 4 TWh, três vezes e meia a menos que o Brasil e suas duas unidades em Angra dos Reis.

Em 2019, último dado disponível, já havia subido para 70 TWh, tendo acionado 9 de suas plantas nucleares.

É um processo complicado porque o trauma dos acidentes é altíssimo. Radiação é um subproduto perigosíssimo para lidar, e anos de construções com falhas de desenho (caso de Tchernóbil) ou em locais inadequados (Fukushima) colocam uma sombra permanente sobre a matriz nuclear.

Na esteira de Tchernóbil, a segurança primária de reatores na antiga União Soviética foi melhorada, mas há lacunas. Enquanto nove unidades RBMK, iguais à que explodiu em 1986, ainda subsistem na Rússia, modelos de primeira e segunda geração VVER seguem pelo mundo.

Um dos mais temidos por especialistas é o que equipa a planta de Metsamor, na Armênia. Numa região suscetível a terremotos devastadores, junto à capital Ierevan, ela quase foi alvo de forças azeris no conflito entre os países em 2020. Como fornece um terço da energia do país, deverá seguir onde está.

A questão dos resíduos é central, estatisticamente mais complexa do que a de acidentes em si. Lixo atômico é o combustível gasto pelos reatores, reciclável até certo ponto.
No 14º Plano Quinquenal da China, revelado na reunião desta semana em Pequim, está inclusive previsto um trabalho específico em tecnologias que facilitem o reprocessamento do lixo.

Os resíduos mais nocivos, o combustível gasto e não reciclável, precisa ser enterrado a centenas de metros por milênios. São um problema ambiental real, embora 99% do lixo seja de mais fácil manejo, filtros, peças e roupas de proteção usadas.

Por fim, mais intangível, há o preconceito que pode ser associado às tragédias e também às armas nucleares, que ocupam faixa semelhante no imaginário popular. Já os benefícios das aplicações médicas de isótopos radioativos, um terceiro ramo da energia nuclear, não costumam assustar tanto – exceto quando algo dá errado, como na exposição do césio-137 em Goiânia, em 1987.

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