em junho deste ano

Marinheiros negam agressões e racismo em caso de clandestino

  No final de junho, o navio Seref Kuru foi retido no porto de Paranaguá (PR), a 98 km de […]

 

No final de junho, o navio Seref Kuru foi retido no porto de Paranaguá (PR), a 98 km de Curitiba, após o Ministério Público Federal (MPF) receber a denúncia de que um camaronês que viajava clandestinamente na embarcação foi jogado ao mar pela tripulação. Desde então, os marinheiros seguem retidos na cidade brasileira aguardando o desfecho do caso, que pode culminar com suas prisões, enquanto o navio foi liberado para partir, com uma nova tripulação, na última sexta-feira. Em entrevista exclusiva ao Terra, tripulantes do navio negaram denúncias de agressões e racismo e afirmaram que desconheciam a presença do clandestino a bordo do navio.

Terra encontrou com os marinheiros em uma mesquita de Paranaguá. Com os corpos voltados para Meca, a cidade sagrada do Islã, marinheiros turcos oram durante o Ramadã – nono mês do ano islâmico, período em que os muçulmanos jejuam do amanhecer ao pôr-do-sol para que seus pecados sejam perdoados. Distantes da terra natal, eles pedem ao profeta Maomé proteção especial para os próximos dias. Vivendo momentos de turbulência, os marinheiros são membros da tripulação do navio Seref Kuru, de bandeira de Malta, que chegou ao porto de Paranaguá para carregamento de uma carga de açúcar no final de junho.

No total, são 17 tripulantes da Turquia e dois da Geórgia. A presença deles na cidade paranaense é vigiada por seguranças. O grupo está indiciado pelo crime de introdução ou ocultação clandestina de estrangeiro no país, em inquérito que tramita sob sigilo na Polícia Federal. A pena para o crime pode ser a expulsão do país, já que nenhum deles tem nacionalidade brasileira. Mas, a situação pode se tornar bem mais grave e alterar os próximos anos de vida destes homens. O MPF pode denunciar todos eles por práticas de racismo, tortura e tentativa de homicídio em mar territorial brasileiro. Se ocorrer a denúncia e, em caso de condenação, a pena pode ultrapassar o período de 30 anos de reclusão.

Os promotores federais investigam a denúncia do soldador camaronês Wilfred Happy Ondobo, 28 anos, encontrado no dia 27 de junho, agarrado em cima de um palhete de madeira, flutuando amarrado a quatro galões plásticos vazios. O homem foi recolhido pelo navio Marine R, de bandeira chilena, a oito milhas náuticas (14,4 km) da costa brasileira pelo comandante romeno Gicu Lucian Vasilache. Em depoimento na PF, Ondobo – que afirma ter entrado clandestinamente no Seref Kuru em 16 de junho no porto de Douala, Camarões – disse que foi vitima de agressões físicas no interior do navio, sofreu tortura mental, foi comparado a um animal por ser da cor negra e abandonado no mar pelos marinheiros.

Na versão do clandestino, após oito dias escondido embaixo do motor do guindaste, ele teria saído à procura de alimentos e água. Ao encontrá-lo, alguns marinheiros passaram a agredi-lo com chutes e socos e depois o trancaram em uma minúscula cabine. No local, ele teria ficado preso durante quatro dias, sem poder dormir. A todo o momento, durante o dia e a noite, os marinheiros batiam na porta. Um dos tripulantes, identificado mais tarde como Orhan Satilmis, teria lhe dito que não gostava de negros, pois são todos animais.

No dia 27 de junho, após fundear a embarcação próximo à costa, os tripulantes teriam entregado a ele, 150 euros, US$ 30 e uma lanterna para que chegasse ao Brasil. Ondobo declarou que não sabia nadar. Mesmo assim, ele afirmou que os homens disseram que “era a única saída”.

Até agora, apenas a versão do clandestino foi divulgada, com repercussão na imprensa nacional e internacional. Durante a semana, o Terra conversou com os acusados. A entrevista, realizada no idioma nativo dos tripulantes, foi traduzida pelo escritor turco Eron Anar, que mora em Curitiba. A reportagem também entrevistou Thierry Ndiho, irmão de Ondobo, na Cidade de Cabo, na África do Sul. O camaronês clandestinos foi procurado, mas não quis dar entrevista.

Liberdade vigiada
Instalados em um pequeno hotel no centro histórico de Paranaguá, sob liberdade vigiada, a tripulação do Seref Kuru parece não acreditar nas acusações de crimes hediondos. Todos eles, sem exceção, afirmam que desconheciam a presença de Ondobo no navio. Coskun Çavdar, comandante da embarcação, disse que antes de deixar o porto em Douala, houve uma inspeção completa e nenhum clandestino foi encontrado. Çavdar disse que houve surpresa da tripulação ao ser comunicada sobre o encontro do clandestino e o teor das acusações. “Como podemos ser acusados por torturar e lançar um homem ao mar se nunca ele foi avistado por nenhum de nós?”, pergunta.

Sobre a prática de racismo, o comandante preferiu não falar. Apenas exibiu fotos onde membros da tripulação do Seref Kuru aparecem abraçados a crianças negras na África. Ele também mostrou fotos da família do Imediato do navio, Yildirim Zafer. A companheira de Zafer e seus enteados são negros. As fotos foram anexadas pelo advogado Giordano Vilarinho Reinert, responsável pela defesa dos tripulantes, ao inquérito da PF.

O marinheiro de convés Orhan Satilmis, único tripulante a ser apontado por Ondobo como autor de agressões físicas durante uma sessão de reconhecimento, também disse desconhecer o clandestino e nega as acusações. “Impossível agredir quem nunca vi”, disse o marinheiro. Çavdar e Satilmis disseram que apesar de parecer inverossímil a explicação sobre o desconhecimento do clandestino a bordo do navio, não pretendem alterar a versão. “Confiamos na justiça brasileira e temos certeza da nossa inocência”, disseram.

Os marinheiros demonstram preocupação com a repercussão caso. Evitam falar com familiares sobre o assunto e estão receosos com a manutenção deles. “Nós dependemos do trabalho para receber o salário. Parados, não recebemos e não podemos enviar dinheiro para lá”, diz Çavdar.

Oposição 
Por telefone, o Terra conversou com Thierry Ndhio, irmão de Ondobo. Ele trabalha na área de informática em uma missão cristã estabelecida na África do Sul. Ndhio contou que o irmão já tentou por várias vezes deixar o Camarões “para tentar uma vida melhor”. Segundo ele, Ondobo o comunicou, através de uma rede social, que estava no Brasil, mas não mencionou o que ocorreu.

De acordo com Ndhio, Ondobo teve uma infância difícil. Perdeu a mãe ainda pequeno e foi abandonado pelo pai. Na adolescência “foi tratado como escravo” em seu país. Já na fase adulta, o clandestino teria se envolvido em movimentos de oposição ao governo do atual presidente de Camarões, Paul Biya. Além disso, o clandestino teria problemas familiares com outros irmãos.

Informado pelo Terra sobre o caso envolvendo seu irmão, Ndhio disse que, se Ondobo for repatriado para Camarões, “ele será preso ou até mesmo morto. Os problemas dele com o governo são muito perigosos”. Ele espera que o clandestino consiga autorização para permanecer no Brasil ou que seja extraditado para outro país. Ndhio disse que o irmão já foi deportado de outro país para Gana, em outra ocasião. “Não tenho condições financeiras de ajudá-lo, mas espero que tudo dê certo para ele. Eu o amo”, afirmou.

A embaixada de Camarões, em Brasília, informou através de uma funcionária que não quis se identificar, que já foi informada sobre o caso, mas que ainda não havia confirmado se Ondobo é cidadão camaronês. Segundo ela, não há previsão de tempo para que a confirmação ocorra.

MPF investiga versões conflituosas
O Ministério Público Federal conta com o reconhecimento de compartimentos do navio e a descoberta de uma fotografia de Ondobo na parte inferior de uma pia, dentro da cabine onde afirma ter ficado preso, como os principais elementos para embasar a versão apresentada pelo clandestino e decidir pela denúncia dos tripulantes do Seref Kuru. Os marinheiros negam que o clandestino tenha sido encontrado na embarcação. Segundo a alegação de Ondobo, ele teria colado a foto no local para que soubessem que ele esteve no local.

Depoimentos de testemunhas e do próprio Ondobo revelaram, porém, que Ondobo mentiu em várias situações. O comandante do navio Marine R, Gicu Vasilache, que recolheu o clandestino, disse que “a primeira informação que o homem deu aos tripulantes, foi de que ele estava em um barco pesqueiro que havia naufragado”. De acordo com Vasilhace, no momento do resgate, o clandestino estava lúcido e não apresentava qualquer marca aparente no corpo. O tenente médico da Capitania dos Portos de Paranaguá, Aaron Reinert, também disse não ter encontrado sinais de agressão em Ondobo, quando o atendeu no navio. Reinert disse que foi informado que o homem era um pescador e só ficou sabendo que se tratava de um clandestino quando conduzia Ondobo ao hospital de Paranaguá.

No preenchimento de uma ficha de identificação na PF, Ondobo escreveu que não tinha irmãos. Em depoimento posterior, ele disse que morava com primos e irmãos. Em uma rede social, Ondobo mantinha agrupados os perfis dos irmãos até terça-feira. Ele, porém retirou as informações e algumas fotos durante a semana. No entanto, uma ata notarial foi registrada pelo advogado que representa a tripulação do Seref Kuru no cartório de Paranaguá, contendo as informações. A defesa alega ainda que o camaronês fala francês e tem conhecimentos rudimentares de inglês, o que inviabilizaria os diálogos relatados com os tripulantes, que falam em sua maioria o osmandi, idioma oficial da Turquia. Apenas o capitão do navio domina fluentemente o inglês.

Prejuízos de mais de R$ 1 milhão
A empresa armadora Kuruoglu Shipping, com sede na Turquia, terá um prejuízo financeiro considerável com o caso. A defesa do armador estima que os custos decorrentes com o imbróglio envolvendo o Seref Kuru, devem atingir um valor superior a US$ 500 mil (aproximadamente R$ 1,1 milhão). O número é estimado até o inicio de setembro, data em que é aguardada a posição do MPF. Até lá, o clandestino e os marinheiros terão completados cerca de 70 dias de permanência no Brasil.

Em entrevista a imprensa turca no final de julho, Sabri Kuru, um dos sócios da empresa, disse que já haviam sido gastos US$ 260 mil para pagamentos de custos com advogados, tradutores, segurança privada, hotel e alimentação e despesas portuárias extras. O armador é responsável pelas despesas dos tripulantes e do clandestino. Um seguro garante o pagamento de US$ 27 mil para gastos com clandestinos encontrados.

A substituição integral da tripulação também elevou o prejuízo. O armador enviou da Turquia treze novos marinheiros. Apenas onze embarcaram. Dois deles não trouxeram o Seaman Book, um documento de registro de marinheiro, e tiveram que voltar de avião. Um brasileiro, de Navegantes (SC), foi incorporado à equipe na última hora. Com a nova tripulação, o Seref Kuru zarpou com destino a África na madrugada da última sexta-feira, 10 de agosto.

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