Rússia

Resistência a sanções aumenta apoio a Putin na guerra na Ucrânia

A aprovação de Putin saltou de 71% em fevereiro para 83% no levantamento feito de 24 a 30 de março com 1.600 entrevistas em 50 regiões russas, margem de erro de dois pontos para mais ou menos.

Resistência a sanções aumenta apoio a Putin na guerra na Ucrânia

Soldado ucraniano coleta explosivos não detonados de bomba lançada por russos no centro de Kiev Soldado ucraniano coleta explosivos não detonados de bomba lançada por russos no centro de Kiev - — Foto:Serguei Supinski/AFP

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) — Em um conflito em que a guerra de narrativas é tão acirrada quanto a que se desenrola no solo da Ucrânia, as novas sanções preparadas pelo Ocidente para punir Vladimir Putin por sua guerra contra o vizinho serão vendidas como mais um golpe asfixiante no Kremlin.

Na visão de muitos analistas e políticos ocidentais, o desconforto que as sanções geram na população russa é um passaporte para que a elite local, ou a classe média nas ruas, derrube o longevo Putin do poder que ocupa desde que assumiu como premiê, em agosto de 1999.

Até aqui, esperam. A Rússia sofre sistematicamente sanções desde 2012. De acordo com a plataforma americana de dados Castellum.AI, havia 2.754 ações até a guerra; depois dela, mais 5.314 específicas sobre o conflito. Por ora, resiste com relativo sucesso ao tsunami.

Isso, somado ao controle do discurso público imposto por Putin à mídia estatal sobre a guerra, parece estar por trás do apoio que o líder angariou. Após mais de um mês de pesquisas estatais, enfim o respeitado centro independente Levada começou a divulgar dados sobre a percepção popular da guerra.

A aprovação de Putin saltou de 71% em fevereiro para 83% no levantamento feito de 24 a 30 de março com 1.600 entrevistas em 50 regiões russas, margem de erro de dois pontos para mais ou menos. Trata-se do maior índice da carreira de Putin, empatando com os 83% que angariou logo após anexar a Crimeia da Ucrânia, em março de 2014.

Não há, no entanto, segundo relato de observadores moscovitas que pedem anonimato, um clima de euforia como naquela ocasião.

Se o apoio tem a ver com os 15 anos de cadeia a que estão sujeitos os que o Kremlin considerar espalhadores de mentiras sobre o conflito, é algo provável, mas não aferível. Já o fator econômico é claro.

Para começar, contrariando as expectativas, o país não deu calote em seus títulos, mesmo com cerca de 60% de suas reservas de US$ 640 bilhões congeladas fora do país, na mais dura das sanções até aqui. As novas punições sugeridas nos EUA podem mudar isso ao vetar pagamentos em bancos americanos.

Governo e empresas seguem pagando seus credores. É verdade que Putin quer obrigá-los a receber em rublo, para valorizar artificialmente a moeda, e decidiu fazer o mesmo com importadores de seu maior tesouro, gás e petróleo. A disputa ainda está em curso, mas o colapso previsto foi por ora revertido.

No dia 23 de fevereiro, US$ 1 valia os mesmos 81 rublos pagos nas casas de câmbio moscovitas nesta segunda-feira, mesmo depois de um tombo de 30% no valor da moeda que lembrou os piores momentos do desastre de 1998 e da recessão de 2015-16.

Isso se deve também ao fato de que Putin praticamente amarrou à cadeira a presidente do Banco Central, Elvira Nabiullina, e ela usou a caneta de forma ortodoxa: subiu os juros básicos de 9,5% ao ano para 20%, manobra que brasileiros cansaram de ver nos anos iniciais do real para segurar a inflação e atrair capital.

Para moradores de Moscou com quem a Folha conversou, faltam alguns bens de consumo ocidentais, mas isso é uma situação que não parece assustar tanto, até por ter ocorrido em 2014. O susto da saída de empresas e marcas estrangeiras, além do fim de serviços como o Apple Pay e a emissão de cartões de crédito internacionais, parecem ter sido algo já absorvido.

O mesmo não se pode dizer sobre o setor aéreo, que vê empresas reduzindo frotas para poder canibalizar partes de aviões ocidentais ora sem assistência. Para um país cuja classe média acostumou-se a viajar ao exterior, o isolamento também traz um choque.

Segundo o monitor do humor de consumo do banco Sberbank, o maior do país, a confiança dos russos em ir às compras segue inalterada, e os preços, apenas 5% acima do período anterior à guerra, em média.

Em artigo no jornal Kommersant o diretor de programas do Clube Valdai, centro de debates alinhado ao Kremlin, afirmou que as sanções estão unindo os russos em torno do governo, pois são percebidas como discriminatórias. “Eles pensam de forma fantástica que as sanções serão eternas”, disse Ivan Timofeev.

Do outro lado da trincheira ideológica, concorda com ele a jornalista independente Farida Rustamova, que escreveu uma reportagem em seu blog relatando conversas com membros da elite descrevendo que há fastio acerca da guerra, mas que eles estão mais firmes do que nunca com Putin.

A Bolsa de Valores foi manietada, com restrições de operação, e a queda inicial de também 30% dos valores das principais ações, estabilizada. A corrida aos bancos arrefeceu. A revista britânica The Economist disse que 3 trilhões de rublos sacados no começo da crise já voltaram às contas correntes. A economia, afirmou a bíblia liberal com claro contragosto, “está melhor do que você imagina”.

Há explicações mais básicas. Primeiro, a Europa não aderiu a um veto total à compra de hidrocarbonetos russos, em especial pela dependência que o presidente alemão disse ter sido um erro histórico.

E há a grande aliada China e outros países que ignoram as sanções, como o Brasil. No setor energético, segundo a agência subordinada à ONU Centro Internacional de Comércio, Pequim compra 21% do que Moscou vende, liderando o top 10 do ranking, que tem outros aliados ocidentais que não puniram Putin, como Coreia do Sul (destino de 6% das importações de gás, petróleo e derivados) e a membro da Otan Turquia (3%). O resto do mundo, que poupa o Kremlin, responde por 31% das receitas.

As vendas de ferro e aço, vetadas pela União Europeia, vão na mesma linha: os dois maiores compradores não aderiram a sanções: Turquia (14%) e México (9%). Apenas 19% iam para países que agora não aceitam o produto russo. Já quando o tema é produtos de tecnologia, a China responde por 52% do mercado externo de Moscou e apenas 11% ia para destinos agora fechados.

A situação, claro, acompanha o ritmo estagnado da campanha militar de Putin, que queria derrubar o governo em Kiev em uma semana, mas fracassou. A clara reorientação para um conflito mais prolongado colocará à prova a popularidade do russo.

O instituto Levada questionou os russos acerca de sua visão do conflito, e o resultado emula o dos institutos estatais, com amplo apoio: 53% dizem ser muito a favor das ações, e 28%, a favor. Apenas 8% afirmam ser algo contrários, e 6%, muito críticos.

São números a serem tomados com cautela, exatamente pelo clima de censura no país. Analistas dizem que dificilmente alguém daria uma declaração aberta contra o conflito a um desconhecido. A guerra, em si, é acompanhada com interesse por 64% dos ouvidos.

O número a preocupar o Kremlin, contudo, é outro: 67% estão preocupados com os efeitos das sanções sobre suas vidas, 21 pontos a mais do que em dezembro. Para um terço, as medidas já são sentidas.

Ainda que mais de 70% afirmem acreditar que a culpa pelo conflito é do Ocidente, efeitos duradouros de uma guerra longa podem ter impacto político. A resultante dessa disputa ainda está por ser conhecida, mas além de não ter evitado um míssil de cair na Ucrânia as sanções por ora não foram tão apocalípticas quanto o presidente americano, Joe Biden, e companhia anunciaram.

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