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Rússia agora diz que vai esperar para mandar tropas para áreas rebeldes da Ucrânia

A informação foi dada por um dos vice-chanceleres do governo de Vladimir Putin. Andrei Rudenko.

Rússia agora diz que vai esperar para mandar tropas para áreas rebeldes da Ucrânia

Tanque em rua de Donestk após o anúncio do reconhecimento russo da área rebelde - — Foto:Alexander Ermotchenko/Reuters

ROSTOV-DO-DON, RÚSSIA (FOLHAPRESS) — A Rússia disse que não irá enviar imediatamente tropas para as duas autoproclamadas repúblicas russas étnicas no Donbass (leste da Ucrânia), apenas em caso de “haver uma ameaça” aos separatistas por parte de Kiev.

A informação foi dada por um dos vice-chanceleres do governo de Vladimir Putin. Andrei Rudenko. Dado o histórico do Kremlin nesse tipo de declaração, não pode ser levada pelo valor de face, mas sugere um certo contentamento da Rússia com sua posição de força da região.

“Há ajuda militar prevista no acordo [com os separatistas], mas não especulemos. Por ora, não mandaremos ninguém a lugar algum. Se houver uma ameaça, aí outorgaremos nossa ajuda”, afirmou Rudenko.

Putin chacoalhou o mundo com o anúncio do reconhecimento e envio de tropas para uma “força de paz” nas regiões na segunda (21). Nesta terça, contudo, buscou reduzir algumas tensões. “Nós vemos especulações sobre essa questão de a Rússia querer restaurar o Império. Isso é totalmente falso”, disse o russo.

“Mesmo nesses momentos tão difíceis, nós dizemos: estamos prontos para negociações”, disse a porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da Rússia, Maria Zakharova, no YouTube. Ela disse que seu chefe, o chanceler Serguei Lavrov, irá a Genebra discutir a crise com o secretário de Estado americano, Antony Blinken, na quinta (24).

Alguns dados da realidade desafiam a dinâmica passivo-agressiva do Kremlin.

Primeiro, ainda há relatos de ambos os lados acerca de ataques sem maternidade clara: um morador de Donetsk falou à Folha, por telefone, ter ouvido explosões perto do centro da cidade, informação replicada por agências de notícias. A qualquer momento a tal “ameaça” pode ser invocada, como já foi no nebuloso episódio da suposta destruição de dois blindados ucranianos pelos russos na segunda.

A questão das tropas é ainda mais complexa. Uma moradora da cidade russa de Kursk, junto à fronteira nordeste das áreas rebeldes, repassou à reportagem o que diz ter filmado no fim da tarde de segunda, um comboio militar indo rumo à Ucrânia.

A encarregada de negócios na embaixada dos EUA na Ucrânia, Kristina Kvien, no entanto, afirmou já haver soldados russos uniformizados em Donbass. Circularam na internet vídeos de tanques e caminhões em Donetsk, mas é incerto se eles eram russos ou dos separatistas.

Segundo Ivan Alexeiévitch, taxista que ganha a vida trabalhando em cidades da região fronteiriça e prefere não dizer seu sobrenome, nos últimos dias foram vistos vários comboios de caminhões do Exército rumando de Rostov-do-Don para a fronteira em Avilo-Uspenka, cerca de 95 km a noroeste da capital da província de Rostov.

“Ninguém sabe dizer do que se tratava”, afirmou. Por outro lado, no mesmo período ele mesmo viu diversos trens de carga trazendo blindados e tanques de volta de exercícios nas áreas fronteiriças. Rostov-do-Don é a sede do Distrito Militar Sul da Rússia. “Um dia eu parei no sinal da ferrovia e começaram a passar os tanques”, disse.

Putin moveu uma peça vital na disputa em torno do desenho da segurança europeia na segunda (21), quando reconheceu as ditas Repúblicas Populares de Donetsk e Lugansk, lar para cerca de 4 milhões de pessoas, a maioria russa étnica, 800 mil delas com passaportes do vizinho maior. Alegou riscos de escalada das escaramuças dos últimos dias para uma ação militar que Kiev nega.

Com isso, e um discurso agressivo em que basicamente negou que a Ucrânia seja um Estado em si, ele colocou o Ocidente em xeque. Desde novembro, Putin tem concentrado tropas em exercícios militares em torno da Ucrânia — 150 mil delas, pelo menos, segundo os EUA. Negou que irá invadir o país, mas após reconhecer os territórios rebeldes determinou que tropas russas o ocupem numa missão de “força de paz”.

É algo que ocorre em outros pontos, como no encrave separatista russo da Transdnístria (Moldova), uma relíquia do desmonte da União Soviética em 1991, e nas duas áreas étnicas russas que se tornaram autônomas após a guerra entre Moscou e a Geórgia em 2008, a Abkházia e a Ossétia do Sul.

Na prática, é o que pode acontecer com o Donbass, desde 2014 autônomo na esteira da guerra civil fomentada pelo Kremlin após a anexação da península da Crimeia — que, além de historicamente território russo, é sede de sua valiosa Frota do Mar Negro.

“A Rússia pode intimidar Kiev a não mais agir militarmente no Donbass com a ação. Mas essa é praticamente a única vantagem do reconhecimento. As consequências negativas serão muitas e variadas”, diz Andrei Kortunov, diretor do prestigioso Conselho de Assuntos Internacionais Russo, próximo do Kremlin.

Os impactos para as relações entre Moscou e Kiev podem ser severos. O presidente da Ucrânia, Volodimir Zelenski, disse que o país pode cortar laços diplomáticos com os russos e convocou um alto diplomata na Rússia para consultas. O Ministério das Relações Exteriores de Putin, por sua vez, afirmou não querer romper a relação.

O líder ucraniano, no entanto, minimizou a perspectiva de haver um conflito de larga escala, ao mesmo tempo em que disse estar pronto para introduzir lei marcial se isso acontecer.

No campo das retaliações, a sanção mais ameaçadora para Putin veio na forma da suspensão da certificação do gasoduto Nord Stream 2 pelo premiê alemão, Olaf Scholz. EUA, Reino Unido e União Europeia apresentaram punições de diferente graus, mas até aqui inócuas.

Já Pequim, aliada da Rússia, emitiu um comunicado discreto, pedindo contenção a todos os envolvidos na confusão. A integrante da Otan Turquia, por sua vez, condenou a ação de Moscou, mas se opôs à imposição de sanções.

Para Kiev, Washington e Bruxelas, a chegada de tais forças de paz já significa uma invasão russa, mas isso é só retórica. A real ação que todos temem teria outra natureza, mirando a capital ucraniana.

Há um sinal a ser observado: até onde os russos irão se estabelecer, com bases militares, quando enfim chegaram ao Donbass. Ao longo de oito anos de disputa, há uma fronteira relativamente estabelecida de 430 km separando as repúblicas da Ucrânia ucraniana.

Putin espertamente não disse até onde iria, mas qualquer movimento além dessa chamada linha de contato irá configurar uma invasão de fato da Ucrânia. Os separatistas querem a restauração para si das antigas fronteiras das províncias de Donetsk e Lugansk, das quais ocupam algo menos do que a metade do território pré-guerra civil.

Sinais contraditórios foram dados por atores laterais. O senador Andrei Klimov, do Comitê de Assuntos Estrangeiros do Conselho da Federação (Câmara alta do Parlamento), disse que o plano russo só inclui as fronteiras atuais. “O resto está além do arcabouço de atividade legal”, afirmou, dando um verniz legalista à decisão unilateral de Putin.

Já o chefe do comitê dos países ex-soviéticos da Duma (Câmara baixa do Parlamento), Leonid Kalachnikov, disse acreditar que a Rússia tem de acatar o pedido total dos separatistas em sua proclamação de independência de 2014.

Isso cabe a Putin. Nesta terça, a Duma aprovou o reconhecimento e os tratados de amizade entre Moscou, Lugansk e Donetsk.

Apenas a realidade, contudo, dirá o que vai acontecer e como a Ucrânia reagirá. Se apenas transformar informalmente o Donbass numa região russa, sem anexação, Putin poderá prolongar indefinidamente o status disfuncional do Estado ucraniano, como fez com a Geórgia, prevenindo assim sua adesão à Otan e à União Europeia.

Se isso acontecer, será castigado por sanções que podem indispor seu regime com as elites russas, mas esta é uma questão para depois. Com os EUA e a Otan se negando a intervir militarmente, por temer uma guerra imprevisível, seu objetivo estratégico mais imediato estará conquistado.

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