O estelionato sentimental, emocional ou afetivo reflete o reconhecimento pela jurisprudência de novos fenômenos sociais que importam na diversificação das relações afetivas, enquadrando esses diferentes tipos de controvérsias na perspectiva da responsabilidade civil, frente ao desequilíbrio verificado no caso concreto, que se amolda à concretização de ilícitos civis que, em regra, demandam uma reparação moral e material, oriunda de uma situação na qual uma das partes, utilizando-se do sentimento nutrido pela outra, mantém a pessoa em erro, com a finalidade de alcançar vantagem ilícita.
Decisões judiciais referem-se ao fenômeno, como, por exemplo, a hipótese na qual um dos companheiros abusa da confiança e afeição do parceiro amoroso para obter vantagens pessoais, causando-lhe prejuízos financeiros e extrapatrimoniais, com a obtenção de vantagem econômica ilícita. Explica-se ainda que essa possibilidade de reparação se fundamenta na demonstração de abuso de direito, com o desrespeito de deveres que decorrem da boa-fé objetiva.
A prática é conhecida internacionalmente pela expressão “romance scam”, partindo, igualmente, da premissa de que a confiança é obtida com a promessa de companheirismo romântico ou amor, a fim de obter dinheiro ou outros itens de valor, associando-se também com a expressão “dating fraud”, quando o ilícito ocorre exclusivamente por meio da internet e, depois de estabelecido o vínculo de confiança, os pedidos por dinheiro ou outros itens se iniciam.
Na Paraíba, o caso decidido pela Juíza de Direito Dr.ª Silvana Carvalho Soares, da 4ª Vara Cível de João Pessoa, tratava-se de uma ação de indenização por danos materiais e morais movida por uma mulher em face de um proprietário de uma agência de viagens, sustentando que durante a aquisição de um pacote turístico, surgiu um relacionamento amoroso virtual, o qual depois de certo período de tempo, caracterizou-se pelo pedido de expressiva quantia em dinheiro pelo proprietário da agência à mulher, concretizando-se a posteriori o depósito do numerário, além de outros gastos financeiros, cessados quando a mulher descobriu que o proprietário da agência era casado, com três filhos, fato ensejador dos danos aos direitos de personalidade.
Na decisão, reconheceu-se que “o réu utilizou-se da confiança da promovente, acenando com possibilidade de grandes lucros e de uma parceria e casamento, no campo pessoal. No entanto, ao tomar posse da quantia disponibilizada, passou a não mais responder as ligações da autora”, explicando, para tanto, a correspondência dos fatos ao estelionato sentimental, porquanto “pretendendo obter vantagem ilícita de sua ‘namorada’, na vigência do relacionamento, com o único propósito de, valendo-se de meios fraudulentos e sem observância da boa-fé objetiva, obter vantagem que não lograria se não houvesse o envolvimento amoroso”, assim, sobreveio condenação em danos materiais equivalente a R$ 5.000,00 e em danos morais correspondente a R$ 50.000,00.
Wilson Sales Belchior – Graduado em direito pela UNIFOR, especialista em Processo Civil pela UECE, MBA em Gestão Empresarial e mestrando em Direito e Gestão de Conflitos na UNIFOR. Também possui curso de curta duração em resolução de conflitos na Columbia Law School, nos Estados Unidos. Na mesma instituição participou de série de pesquisa avançada. Palestrante, professor universitário em cursos de pós-graduação em diferentes estados e autor de diversos artigos e livros, publicados em revistas, jornais, portais de notícias e editoras de circulação nacional. Conselheiro Federal da OAB (2013-2015). Vice-presidente da Comissão Nacional de Advocacia Corporativa do Conselho Federal da OAB (2013-2015). Membro da Comissão Nacional de Sociedade de Advogados do Conselho Federal da OAB (2010-2012). Membro da Coordenação de Inteligência Artificial do CFOAB (2018). Atualmente é Conselheiro Federal eleito para o triênio 2019-2021.