O chamado da montanha
Tem dias que a vontade fala mais que o “juízo”. E foi assim que cheguei à Gravatá, no agreste pernambucano, naquela manhã fria de 4 de outubro de 2025, porque a TRun Series resolveu fazer algo grandioso: transformar poeira, serra, lama e suor em histórias épicas para quem ama desafiar limites. Mais que uma prova de corrida, foi uma corrida mental.
No Instagram oficial da TRun, já se percebia o tom: “Cada passo foi história. Cada chegada, uma celebração.” Quando eu olhei para aquele post, senti o arrepio antecipado, sabia que ia doer, mas também sabia que valeria cada gota de suor. Comecei o circuito esse ano pela menor distância oferecida, chamada de Fast Trail, e fui aumentando gradativamente, até chegar na maior e mais temida distância, a Long Trail, que é a soma de todas as outras distâncias: Fast, Adventure e Half Trail.
Estrutura, público e percurso
A etapa e o evento
A TRun Gravatá 2025 foi a quarta etapa do circuito TRun Series, consolidado como um dos maiores — se não o maior — circuito de corridas em trilha do Nordeste.A cidade acordou mais cedo e respirou a expectativa de vestir seus equipamentos mais uma vez e partir pra arena.
O evento reuniu mais de 700 corredores de pelo menos 64 cidades, movimentando economia, turismo e a paixão pelo esporte. A prova abriu às 5h30 da manhã com a largada dos mais ousados, os corredores dos 57 km e em seguida as outras modalidades já mencionadas acima.
O ponto de largada foi na Fazenda Estrela da Serra, às margens da estrada PE-87, e dali os atletas adentraram a zona rural de Gravatá, com trilhas, subidas, estradas de terra, trechos de serra e natureza agreste.
A organização contou com apoio da Prefeitura Municipal, secretarias de turismo, esporte, segurança, saúde etc. A estrutura incluiu entrega de kits (no dia anterior), música na arena, ativações de marcas parceiras, tendas de apoio e apoio logístico para corredores e espectadores.
Público, clima e energia
Imagino que você, como participante, sentiu no amanhecer aquele frio seco misturado com a brisa da serra. O céu se vestiu de uma leve neblina que logo cedeu espaço à luz do sol. O público local foi presente: moradores das comunidades rurais, apoiadores, voluntários, olhares curiosos que vibravam a cada atleta que passava. Os fotógrafos capturaram mais de 168 mil fotos e quase 200 vídeos do evento.
O clima de cooperação foi forte: corredores se ajudando, ânimos se renovando, pernas cansadas sendo empurradas pela vontade. A TRun Series não é apenas competição: é celebração da superação compartilhada.
O percurso de 57 km, meu maior desafio até hoje
Aqui entro eu, correndo meus 57 km, que pra mim foi a corrida mais longa que já encarei até hoje. Números à parte, pra quem calça o tênis e fica com o coração na boca na hora de largar, não sabe a diferença de um quilômetro de cinquenta, isso vira só detalhe no mapa. o que importa é o que se vive entre o primeiro e o último quilômetro.
As subidas, descidas e trechos técnicos
No início, um exercício de humildade. 2 km de ladeira que só se pode continuar inteiro se subirmos caminhando. Depois o percurso parecia generoso: estradas de terra mais frescas, paisagem super amigável. Mas isso foi só disfarce. Logo vieram os morros íngremes que tiraram o fôlego (e o raciocínio da gente). Rochas soltas, raízes expostas, buracos de pegadas de boi em lama seca, subidas que pareciam infinitas. A natureza de Gravatá usou todas as artimanhas, além do calor do meio-dia, trechos de barro escorregadios no meio da mata fechada, trilhas estreitas e acostamentos ingrimes.
Cada subida encarada era um duelo entre o quadríceps(que eu chamo de quadriciclos) e a cabeça. A descida exigia técnica: confiar no passo, controlar a velocidade, escutar as pedras. O barro apareceu como personagem coadjuvante, especialmente depois das chuvas da noite, e virou parceiro de estrada: grudou em tênis, passou para as meias e quase me fez questionar se estava correndo ou cavando. O chão era convidativo para correr mas ao fazer isso, a gente era punido com um escorregão lateral, rumo as folhas secas no chão. Acredito que tenha sido a etapa com mais terrenos técnicos diferentes.
A “zona de guerra” emocional
Em muitos momentos caminhei mais do que corri. A exaustão falava alto. A dor nas pernas já era realidade, agora era controlar o aparecimento de possíveis câimbras. A mente me testava: “Por que você faz isso?” “Para que tanto sacrifício?” Mas aí eu me lembrava de quem estava ali comigo, meus companheiros de trilha, como o Hankel e o Luiz Gustavo, e os amigos gritando na arena a cada volta e os staffs nos pontos de apoio sempre simpáticos, o entusiasmo era coletivo e me dizia: “Você vai continuar!”.
Lembrança viva: na segunda volta, subindo novamente os 2 km de ladeira inicial, percebi que não tinha ajustado muito bem meu tênis, precisava parar e amarrar direito. Ao abaixar, uma dor grande nas pernas, o movimento diferente fez tudo travar. Olhei pra trás e a vontade de desistir foi grande, voltar para a arena, preservar a musculatura desgastada. Pensei comigo: “Se ao terminar de amarrar, ainda estiver doendo, vou desistir.” Tênis amarrados, passo firme pra frente, continuei subindo. Uns 5 minutos depois foi que lembrei: A dor sumiu! Porque não se trata só de dor, é sobre deixar que ela te leve ao sofrimento. Dor e sofrimento são coisas diferentes. Prossegui para a segunda metade da prova e, por consequência, a terceira e última volta.
A chegada
Quando vi a tenda da arena, a última curva e o som da música de motivação ao longe, senti um nó na garganta. O corpo inteiro latejava, mas o coração gritou: “Consegui, consegui!”. Corri os últimos metros ao lado do amor da minha vida, minha paixão de viver, para saborear com ela, essa conquista. Aquele momento onde o suor não importa e a gente se abraça demoradamente, onde o mundo inteiro para e só existe você e sua amada, é daí que nascem as memórias que acompanham a gente para sempre.
O que Gravatá me ensinou
Limites são fronteiras que você conhece
Antes desse dia, meu conceito de limite era teórico. Após 57 km em trilha, percebi que o limite é só aquilo que aceitamos acreditar. E que podemos empurrá-lo, visualizá-lo, com dor sem sofrimento, com estratégia sem empolgação, com coração sem lógica. Quando a perna falha, a vontade insiste. Isso me ficou claro. Como claro também ficou que eu não fui para um lugar totalmente desconhecido, o cansaço era proporcional a todos os outros limites que eu já superei. Como correr 15 km pela primeira vez sem caminhar, com a minha esposa de testemunha também, me aguardando ao final do treino. Isso tudo só é possível com o preparo e treino certos. Sem loucuras ou apostas.
A prova transformadora
Provas como a TRun Gravatá são travessias de transformação. Você não volta o mesmo. Sai com as unhas todas lascadas, com o ego mastigado e o espírito leve.. Quando terminei, reconheci um outro corredor: mais calmo, mais paciente, mais consciente do valor de cada objetivo a frente.
O espírito de comunidade na trilha
Trilhas não são para solitários: amizades surgem entre dificuldades, conversas espontâneas e trechos técnicos que superamos lado a lado. Vi pessoas parando para ajudar, escutando quem estava ofegante, motivando quem queria desistir. Isso me renovou, me lembrou que a corrida é individual, mas a experiência é coletiva.
Gravatá se revela: natureza e acolhimento
Gravatá nos acolheu como anfitriã generosa. As trilhas mostraram ser terra de relevo ousado, clima propício para o esporte de aventura, contrastes entre o agreste e o verde dos vales. A Prefeitura esteve presente, apoiando estrutura, segurança, divulgação. A repercussão foi nacional: até o GE destacou que o evento é o maior circuito de trilha do Nordeste e que reuniu corredores de todo o Brasil para disputar até 56 km em Gravatá.
O turismo local foi impulsionado: participantes vieram de longe, ficaram em hotéis, comeram na cidade, conheceram os arredores. A corrida como motor de desenvolvimento.
Dicas práticas para quem quer encarar a próxima etapa da TRun
Agora, pra você que está lendo até aqui, deixo abaixo algumas dicas para você se preparar bem e divertir-se na trilha, se liga:
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Treine força para subida e descida, não adianta apenas treinar no plano.
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Leve tênis com boa tração e prepare-se pra tudo, a lama pode aparecer.
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Hidratação inteligente, eletrólitos e alimentação leve, não confie no “vou resolver na prova”.
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Mental forte, os momentos de crise chegam. Prepare mantras, visualizações e estratégias mentais.
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Explore os pontos de apoio, interaja com as pessoas e aproveite para recarregar o espírito.
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Descanse bem nos dias antes, especialmente em provas longas, se chegar na cidade da prova cansado, durma bem cedo na noite anterior.
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Faça reconhecimento (se puder), conhecer trechos antes condiciona mente e pernas.
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Vista de roupas leves, claras e leve só o necessário, cada grama conta.
Mais que corrida, memória viva
A TRun Gravatá 2025 não foi só mais uma etapa do circuito. Foi o palco em que centenas de apaixonados pela trilha se reencontraram com seus limites, com suas dores e com suas vitórias mais íntimas. Foi o momento de sentir a natureza puxando de volta, de escutar o próprio passo, de se surpreender com o que o corpo pode suportar quando a mente exige.
Para mim, foi a corrida mais longa e mais intensa que já fiz. Voltei diferente: mais humilde perante as trilhas, mais convicto do valor da persistência, mais apaixonado pela beleza que a dor pode revelar.
Se você está lendo isso e pensando “eu também quero”, eu digo: se prepare bem. Escolha um percurso menor, tenha calma, foram 4 anos pra eu chegar na maior distância. Se você entrar nessa cedo demais, ao invés de uma história bonita, vai ter lembranças sofridas e quem sabe até desanimar de praticar esse esporte por anos e anos. Isso é mais importante e o que realmente está em jogo aqui: correr bem não só em uma corrida mas pra sempre. Porque Gravatá me mostrou: não é sobre cruzar a linha primeiro. é sobre começar uma relação com seus próprios limites e depois expandir.
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