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Calejado por guerra civil, “Leão Africano” virou lutador no Brasil e busca primeira vitória no Bellator

Ex-jogador de futebol, Iamik Furtado teve infância dura em Guiné-Bissau e começou a praticar artes marciais ao morar em Fortaleza, em 2012: "Eu só conheci o UFC no Brasil".

Calejado por guerra civil, "Leão Africano" virou lutador no Brasil e busca primeira vitória no Bellator

A situação de Iamik Furtado no Bellator é delicada: são duas derrotas consecutivas, uma por finalização e outra por pontos. A pressão pela vitória nesta quinta-feira, contra Chris Duncan, pela edição 247 do evento, em Milão, na Itália, existe. Entretanto, o quão dramático é este cenário diante da trajetória de vida do “Leão Africano”, de 33 anos, natural da cidade de Farim, na Guiné-Bissau?

A infância em um país humilde seria, naturalmente, dura para Iamik Furtado. Embora nunca tenha faltado estudo e nem comida à mesa, Mik, como é conhecido, vivenciou os efeitos da Guerra de 7 de junho, em Guiné-Bissau, de 1998 a 1999. As imagens de destruição na capital Bissau, onde morou a maior parte da vida, ainda o atormentam.

– Eu tinha 12 anos de idade quando presenciei a guerra civil no meu país. Não é nada bom, não desejo a ninguém. Deixou muitos rastros até hoje. Eu não passei fome, porque meu irmão mais velho, que estava na capital, pegava arroz e levava comida para a gente. Eram 40km ou 50km só para isso. Fomos obrigados a nos refugiar em outras cidades para escapar da guerra – relata o “Leão Africano”, que tem seis irmãos, em entrevista ao Combate.

Iamik conta que era chocante ver pessoas passando fome e dependendo de ajuda de organizações internacionais para se alimentarem. A experiência amarga, porém, o fez enxergar o “copo meio cheio” diante das adversidades.

– Isso me tornou mais forte, vejo o lado bom da vida. Eu via o sofrimento de pessoas feridas, que não tinham o que comer e esperavam ajuda humanitária, ficavam na fila. É muito duro. Imagina uma família acordar e não ter nada para comer? Mesmo quando não estávamos presentes na capital, víamos a destruição pela televisão, nas notícias. Tinha um lugar onde pessoas procuravam para se abrigar, como uma quadra, um espaço onde aglomeravam as pessoas. Eu me lembro que caiu uma bomba lá, que era considerado um lugar seguro… Foi uma coisa horrível, não sobrou ninguém. É difícil de apagar.

Após cerca de um ano de sofrimento – a guerra civil terminou em maio de 1999 – a família Furtado retornou à casa onde sempre morou, na capital da Guiné-Bissau. Iamik deu prosseguimento aos estudos até completar o Ensino Médio. O sonho de se tornar jogador de futebol foi realizado: atuou por dois clubes, mas a realidade era bem diferente do esporte que acompanhava pela televisão.

– Joguei futebol por cerca de três anos, mas vi que não adiantaria, não teria futuro. Vi outros bons jogadores que não foram a lugar nenhum. Quando você sai do campo, não tem um centavo. Vai ser reconhecido dentro de campo, mas não tem nada. Eu também trabalhei como despachante, com mercadorias que vinham de fora. Tinha um dinheirinho no bolso, mas estava só curtindo a vida.

Por ser um país lusófono, os guineenses procuram o Brasil e Portugal como possíveis destinos na hora de buscar uma oportunidade no exterior. E foi por isso que Iamik Furtado, em 2012, se mudou para Fortaleza. A então namorada estava morando na capital cearense e, à procura de uma vida mais promissora, ele se mudou para o Nordeste.

– Eu queria estudar fora e, como minha namorada estava lá, me deu mais motivação. Fiz um curso de auxiliar de saúde bucal. Tive que trabalhar como garçom, servente, fiz um monte de coisa, trabalhei com pintura de carro, em uma gráfica, um monte de coisas. Eu cresci como homem em Fortaleza.

A guinada na vida de Iamik Furtado se deu de forma surpreendente. Em um dia despretensioso, foi à academia fazer musculação com os amigos. Curioso, notou um movimento na sala ao lado: havia uma aula de muay thai, atividade comum no Brasil, mas fora da realidade de quem cresceu em Bissau.

– Eu passei a fazer musculação rapidinho para assistir às aulas de muay thai. Um dia eu pedi para participar e gostei. Depois, fiz aulas de jiu-jítsu. Eu acabava treinando tudo, saía morto, exausto. Depois de três meses, fui convidado para fazer uma luta de muay thai amador no GP da Team Nogueira, na categoria de 70kg. Nocauteei nas três lutas daquela noite e falei: “Quero fazer isso”. Eu não sabia se queria lutar MMA, porque precisava de ajuste no chão. Eu só conheci o UFC no Brasil. A ideia era ser lutador de muay thai, porque eu estava começando e a motivação aumentou quando venci o GP.

Em 2015, surgiu a oportunidade de lutar MMA – mesmo ainda sendo cru no jiu-jítsu. A bolsa era mais tentadora do que as pagas nos torneios de muay thai. Sem experiência em outras artes marciais, Iamik Furtado aceitou o duelo confiando na trocação. Foi finalizado, mas ganhou a certeza de que seu futuro estaria dentro das oito linhas.

– Eu tinha armas na trocação, mas na parte de chão, não sabia direito. Eu peguei um cara mais experiente, que tinha quatro lutas profissionais. Eu cheguei no segundo round e não tinha mais força. Ele tinha o jiu-jítsu, e eu só sobrevivia às posições. Teve uma hora que não aguentei e fui pego. Tive que aceitar o resultado. Ali eu comecei a pensar como um objetivo maior, as bolsas foram melhorando. Com o passar do tempo, eu queria evoluir mais e não só atuar em Fortaleza, precisava lutar no Brasil todo.

Nos três anos seguintes, de fato, Iamik Furtado buscou outros eventos nacionais. Atuou no Rio de Janeiro, em Santa Catarina e acumulou seis vitórias consecutivas. Passou a, também, dar aulas de muay thai em sua casa, em Fortaleza. Ele afirma que tinha cerca de 40 alunos, e a vida se consolidava no Brasil – até receber um tentadora proposta para morar na Europa.

– O Sori Djalo, que é o dono da Porto Fight Club, aqui em Portugal, me chamou para treinar na equipe, me deu uma casa para eu ficar e focar nos meus objetivos. Ele tinha atletas no Bellator, acreditei e me mudei para a cidade do Porto, onde vivo atualmente. Entrei no Bellator no ano passado. Não peguei luta fácil, mas estou construindo meu caminho, que é o mais importante. Estou em um momento difícil na carreira, não gosto de perder. Quero virar essa história.

Levar o nome da Guiné-Bissau para um dos maiores eventos do mundo é dar visibilidade a um país que muitos sequer sabem em que continente está. Desde que deixou a África, oito anos atrás, Iamik Furtado jamais retornou. Sente saudades diariamente. A promessa é voltar apenas quando materializar o sonho de ser campeão de MMA para inspirar os compatriotas.

– Estou fora de Bissau esse tempo todo. Não quero voltar assim, quero retornar com alguma coisa para mostrar à minha família. Quero chegar lá com o título de campeão mundial. Eu nunca esquecerei de onde eu vim. Por mais feio, pobre e desorganizado que seja, é de onde eu vim, é onde meus pais e avós nasceram. Não tenho por que esconder isso, eu sinto orgulho. Levanto a bandeira de Guiné-Bissau toda vez que vou lutar. Quero que o mundo veja que existe um país ali. Quero levar a cultura do MMA para lá no futuro. Gosto de ensinar, de dar aulas. Tenho esse sonho de abrir uma academia na Guiné-Bissau, porque sei a importância do esporte. No Brasil, muitos jovens mudaram de vida através do esporte e, hoje em dia, possuem dinheiro para ajudar seus familiares. Quero que o esporte incentive os jovens, porque o governo não olha para esse tipo de coisa, então cada um tem que fazer a sua parte.

Fonte: Combate.com

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