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Corregedoria investiga conduta de juíza que teria induzido mãe e menina a seguirem com gravidez após estupro

'Suportaria ficar mais um pouquinho?': comportamento da juíza Joana Ribeiro Zimmer será analisado internamente. Em audiência, promotora também tentou convencê-las com informação equivocada.

Corregedoria investiga conduta de juíza que teria induzido mãe e menina a seguirem com gravidez após estupro

Joana Ribeiro Zimmer: juíza negou aborto a criança vítima de estupro e tentou induzir mãe e filha durante audiência. — Foto:Solon Soares / ALSC

A conduta da juíza Joana Ribeiro Zimmer durante uma audiência na 1ª Vara Cível da Comarca de Tijucas (SC), onde tenta induzir uma criança de 10 anos – hoje com 11 –, vítima de estupro, a seguir com a gravidez será investigada pela Corregedoria-Geral da Justiça do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC), que deverá analisar se a postura da magistrada em relação à menina e à mãe foi inapropriada durante a condução do caso. De acordo com Tribunal, “foi instaurado um pedido de providências na esfera administrativa para a devida apuração dos fatos”.

Além disso, o TJSC afirmou que, por se tratar de uma questão jurisdicional, não cabe manifestação do órgão sobre o caso, que está em segredo de justiça por envolver uma criança.

O caso ganhou repercussão nesta segunda-feira (20), após reportagem publicada pelo portal The Intercept. O teor do processo foi confirmado pelo GLOBO. Numa gravação vazada da audiência, e publicada pelo Intercept, Zimmer e a promotora do Ministério Público de Santa Catarina Mirela Dutra Alberton, aparecem tentando, a exaustão, induzir a menina e sua mãe a prosseguirem com a gestação, resultado de uma violência sexual.

Durante todo o tempo, a menina parece não entender o que está acontecendo – fato que é relatado pela mãe –, enquanto a magistrada faz perguntas como: “Tu sabia como engravidava?”, “Como foi a gravidez para você?”, “Você sabe o que é interrupção de gravidez?”, “Tu suportaria ficar mais um pouquinho (com a gestação)?”. Em seguida, ela chega a perguntar à criança se o pai – o homem que a estuprou – concordaria em dar o bebê à adoção. São 14 minutos de questionamentos.

Informação errada sobre aborto

À mãe, tanto a juíza, quanto a promotora, inclusive fazem uma afirmação equivocada de que, caso o bebê nascesse, os médicos teriam que deixá-lo agonizar até a morte, na tentativa de sensibilizarem mãe e filha e coagi-las a continuarem com a gestação. Num dos diálogos, Zimmer fala em transformar a gravidez da menina, fruto de um estupro, na felicidade de um outro casal, e a mãe mostra se mostra desconfortável e vencida pela situação.

Juíza: A gente tem 30 mil casais que querem o bebê, que aceitam. Então, essa tristeza de hoje para a senhora e para a sua filha é a felicidade de um casal. A gente pode transformar essa tragédia.

Mãe: É uma felicidade porque eles não estão passando pelo que eu estou passando. Por isso que para eles é uma felicidade.

Juíza: E para a senhora, qual seria a melhor solução para a senhora?

Mãe: Doutora, independente do que a senhora decidir, porque eu sei que é a senhora quem vai decidir, eu só queria fazer um último pedido: deixa a minha filha dentro de casa comigo. Se ela tiver que passar um mês, dois meses, três meses, não sei quanto tempo com essa criança, deixa eu cuidar dela? É a última coisa que eu peço.

A mãe, então, conclui: “Ela não tem noção do que está passando. Vocês fazem esse monte de pergunta, mas ela nem sabe o que responder”.

Questionado, o MPSC não se manifestou acerca da conduta da promotora, e afirmou em comunicado que a 2ª Promotoria de Justiça da Comarca de Tijucas ajuizou ação pleiteando autorização judicial para interrupção de gravidez assistida, segundo critérios definidos pela equipe médica responsável e que, além disso, foi ajuizada medida protetiva de acolhimento provisório, não por conta da gravidez, mas “com o único objetivo de colocá-la a salvo de possíveis novos abusos, principalmente enquanto não finalizada a investigação criminal que poderia indicar se o estupro ocorreu ou não no ambiente familiar”.

Posteriormente, a Justiça, através de um outro magistrado, autorizou a interrupção da gravidez, mas o procedimento não pôde ser realizado porque a menina estava no abrigo. Em nova audiência do caso, por videoconferência, uma médica obstetra que acompanhou toda a situação junto à menina afirmou ter notado indícios de que mãe e filha foram convencidas emocionalmente a prosseguirem com a gestação. É nesta sessão, inclusive, que Joana Ribeiro Zimmer compara uma autorização ao aborto ao que ela chama de uma “autorização para o homicídio”.

‘Muita preocupação, diz OAB-SC

Ainda nesta segunda-feira, o presidente da Comissão de Direito da Criança e do Adolescente da Ordem dos Advogados do Brasil de Santa Catarina, Edelvan Jesus da Conceição, se manifestou por meio de uma nota em relação ao caso. Ele afirma ter recebido “com preocupação”, através da imprensa, as informações sobre o caso.

“Dentre as situações em que a legislação brasileira autoriza a interrupção da gravidez estão a violência sexual e o risco de vida para a gestante. Diante disso, estamos buscando junto aos órgãos e instituições com atuação no caso todas as informações necessárias para, de forma incondicional, resguardarmos e garantirmos proteção integral à vida da menina gestante, com embasamento em laudos médicos e nas garantias legais previstas para a vítima em tais situações”, escreveu. “Tendo conhecimento dos fatos, a partir de agora a OAB/SC estará atenta e acompanhará todo o processo e seus desdobramentos, com o intuito de que a vítima receba amparo integral, incluindo o retorno ao convívio familiar e toda a assistência de saúde necessária, incluindo amparo psicológico para ela e seus familiares.”

Grupo pede afastamento de juíza

Após a repercussão do caso, o Coletivo Juntas! elaborou uma petição, nesta segunda-feira, para o afastamento da juíza Joanna Ribeiro Zimmer de suas funções. As 40 mil assinaturas necessárias — já conquistas na manhã desta terça — serão encaminhadas ao Conselho Nacional de Justiça, que deve avaliar o caso. No parecer, o coletivo disse que a juíza “induziu a criança a permanecer com o feto, negando o direito legal ao aborto seguro”.

No texto divulgado pelo Juntas!, foi ressaltado também que Zimmer “não cumpre o seu dever profissional e coloca em risco a vida de uma criança grávida vítima de estupro”. Ainda segundo o grupo, a juíza tem atuado contra o estatuto da Magistratura e a Lei Mariana Ferrer, que resguarda vítimas de violência no processo judicial. O coletivo foi criado em 2011 e atua na luta pelos direitos das mulheres em universidades, escolas, movimentos sociais, sindicatos e cidades de todo o país.

O caso

Em maio, a mãe levou a menina de 10 anos ao Hospital Universitário da UFSC, em Florianópolis (SC), em busca de um aborto legal, já que a criança havia sido vítima de estupro. Ela havia descoberto a gravidez há apenas dois dias, mas a unidade de saúde, seguindo um critério interno, se negou a realizar o procedimento sem uma autorização judicial porque a gestação já havia ultrapassado 20 semanas, chegava à 22ª.

No processo, no entanto, uma medida protetiva, sob a justificativa de tirar a menina do convívio do suspeito de ter cometido a violência sexual, fez com que a menina fosse tirada de casa e levada a um abrigo, onde permanece até então.

É a partir daí, numa audiência do caso, na 1ª Vara Cível da Comarca de Tijucas, que a postura da juíza Joana Ribeiro Zimmer e da promotora do Ministério Público de Santa Catarina Mirela Dutra Alberton, começam a chamar atenção. Tanto Zimmer quando Alberton tentam exaustivamente induzir mãe e criança a seguirem com a gravidez, mesmo após ambas terem reiterado mais de uma vez a vontade de prosseguir com o aborto, garantido à menina por lei.

Por fim, o direito foi negado, e mãe e filha acabaram decidindo continuar a gestação. A criança segue num abrigo por decisão judicial.

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