Próximo dia 30 fará um ano da morte física do meu pai, Geraldo Jerônimo da Silva. Digo morte física, por crer firmemente que a alma do meu velho dorme suavemente em um berço de doçura, após a dura batalha que travou nessa cruel existência.

Meu pai era um “Paraíba”, um retirante, um cabeça chata e todos os adjetivos que os sulistas criaram para tentar ofender os nordestinos, mas com a garra de quem nasceu em meio a dureza da querida, Pedra Lavrada, traçou seu caminho viajando pelo Brasil. Abriu estradas (em regime de quase escravidão), foi lanterninha de cinema, ajudou a construir edifícios e quase morreu ao cair do terceiro andar de um prédio, foi profissional de saúde, consertou aviões (sim, meu velho foi mecânico de aeronaves), foi servidor público do Ministério do Trabalho, mas acima de tudo foi o “melhor pai do mundo”!

Com a pequena instrução que possuía, resolveu estudar depois de adulto, já morando em Brasília e com três filhos. Nessa época era comum ver meu pai, ainda de cabelos pretos, pegando no sono sobre os cadernos. Que saudade do cheiro da sua colônia e do cigarro que fumava. Sei que parece estranho, mas eu trocaria boas horas de minha vida para sentir este cheiro mais uma vez.

Conhecia bebidas (apesar de quase não beber), livros, música clássica, boas comidas e belas histórias e jamais descobri de onde veio toda esta cultura. Afinal, meu velho veio de uma das regiões mais sofridas do Brasil e só não passou fome, porque sempre contou com a graça divina frente aos problemas. Trabalhou como uma máquina e garantiu conforto, educação e até algum luxo aos três filhos, frutos de um amor imensurável.

Depois da morte prematura da minha mãe, que resistiu três anos a uma metástase, resolveu desistir da vida e desde então passou a definhar lentamente, andando, falando e comendo cada vez menos. Como dói pensar no seu sofrimento em meio a este mar de solidão, meu velho! Como tentamos suprir o vazio deixado pela sua amada Débora, mas só seus netos realmente conseguiam arrancar sorrisos deste rosto cansado e de olhar sempre tão distante.

O tempo passou e o mesmo inimigo mortal que levou minha mãe te arrancou deste plano, após longos dias em uma UTI.

Jamais vou esquecer da sua imagem fragilizada naquele leito, cheio de aparelhos, me implorando para te levar pra casa. Como eu queria poder fazê-lo, meu velho! Será que eu podia? Muitas vezes me imaginei arrancando aqueles tubos e te carregando pra casa em um ato heroico, que jamais tive coragem de cometer.

Como dói imaginar seu sofrimento naquele local, onde a vida é uma chama fraca e quase extinta, mas mesmo em meio a estas dores você me abençoou e me disse adeus na última vez que nos vimos. Foi o último olhar que trocamos e depois disso foi todo aquele ritual funéreo que me recuso a lembrar…

Sabe, pai. A vida sem você está sendo muito mais difícil do que parecia ser quando você estava por aqui. Errei quando não deveria errar em hipótese alguma, vacilei quando deveria ter mergulhado de cabeça, mas é difícil saber para onde fica o Norte sem minha bússola. Tenho aprendido a caminhar sem você, mas tudo ficou um pouco mais complicado sem seu olhar me guiando.

Sinto sua falta todos os dias e Marina, Sofia e Juliana ainda esquecem, vez em quando, que você se foi e agem como se você estivesse vivo, esperando a hora de te visitar no próximo fim de semana, como sempre fizemos.

Claro que sei que você nunca vai ler isto! Só que eu precisava escrever! Sei lá por que motivos, resolvi explicitar os tortos sentimentos da minha alma para os leitores deste site. Aqui me sinto em casa, como se conversasse com minha família e é por este desejo de fazer que todos saibam o quanto você foi fantástico que não me canso de te elogiar.

Geraldo foi um homem que gastava horas brincando com os filhos, ouvindo nossos medos e dividindo sua sabedoria. Se um dia desejarem saber o que é um bom pai, tentem conhecer a vida deste lavradense, que segundo o povo da sua terra, “se tinha defeitos, sabia escondê-los muito bem”.

Um ano depois...

Próximo dia 30 fará um ano da morte física do meu pai, Geraldo Jerônimo da Silva. Digo morte física, por crer firmemente que a alma do meu velho dorme suavemente em um berço de doçura, após a dura batalha que travou nessa cruel existência.

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