
Os refrigerantes decidiram crescer. Saíram da adolescência e hoje preenchem desavergonhados os copos de marmanjos e mulheres modernas. Da próxima vez que vir alguém com uma bebida colorida e levemente borbulhante, desconfie do conteúdo do copo: pode ser um refrigerante disfarçado de drinque.
A grande notícia no mercado de refrigerantes “para adultos”, cada vez mais populares na Europa e nos EUA, foi a recente ascensão das companhias artesanais. Os “cocacoleiros” da nova geração escolhem ingredientes a dedo, processam os sucos e polpas, fogem dos conservantes e corantes, usam quantidades mínimas de açúcar e gaseificam a bebida com a ajuda de máquinas carbonatadoras, que injetam gás carbônico em água gelada. Os sabores ácidos e amargos tomam a dianteira, com profusão de sementes e ervas aromáticas (flores, manjericão, coentro, cravo e canela) entrando na composição. A diferença em relação aos refrigerantes convencionais não para por aí: é possível até falar em “retrogosto” nesses refrigerantes (gengibre, hortelã).
As embalagens são ora de motivos delicados, ora antiquadas, como vidros de boticário. E há até opções “másculas”, como a inglesa Iron Press, que faz refrigerante de maçã e lima, mas engarrafa em vidro marrom, com ares de garrafa de cerveja.
Além de as microfábricas estarem se multiplicando, restaurantes já começam a servir seus “refrigerantes da casa”. No Má Pêche, de David Chang, em Nova York, há sodas de gengibre, camomila, cola e lima. Quem produz os refrigerantes é o gerente de bebidas Drew Davis. “É nossa sugestão para quem não quer bebidas alcoólicas, mas não pretende passar a noite com um copo de água”, diz, em entrevista ao Paladar. O chef basco Martín Berasategui também brinca de fazer refrigerante: seus sucos de frutas são misturados com água gaseificada na casa e servidos no restaurante três-estrelas em San Sebastián.
Refrigerante caseiro depende de um truque, como explica Flávio Luís Schmidt, professor da faculdade de engenharia de alimentos da Unicamp. “O principal é refrigerar a água em temperatura próxima aos 3°C, antes de gaseificar. Em geral, bebidas que levam noz-de-cola têm mais gás. As bebidas com frutas podem ter menos gás, para que se sinta melhor o gosto”, diz.
No Brasil, a onda está começando, com a chegada de três versões de refrigerantes produzidos pela cervejaria italiana Baladin (à venda no Ciao! Vino e Birra), importados pela Tarantino.
Com sabores tão “adultos” (o refrigerante Spuma Nera, da Baladin, é um parente próximo do Campari), os refrigerantes, mesmo sem álcool, têm tudo para desagradar às crianças. E os motivos para a repulsa infantil aos amargos e ácidos não têm nada a ver com “requinte gourmand”. O fato é que o paladar infantil está mesmo biologicamente “preparado” para os sabores doces. “É o primeiro sabor percebido pelo feto, antes mesmo do leite materno, e ele se fixa na memória”, explica Helena Bollini, professora de análise sensorial da Unicamp. “Na natureza, o amargo está muito ligado ao venenoso. ‘Quebrar’este costume tem um pouco a ver com rebeldia, experimentação, aprendizado. A cultura também age para nos reeducar gastronomicamente.”