Ficar mais bonito, todo mundo quer. As cidades feias querem ficar lindas; as barulhentas, menos confusas. São Paulo é desordenada, com muito ruído, mas começa a mudar as feições e os costumes. Só que para ficar mais comportada vai ter de acabar com tradições. Uma delas é gritar na feira. A capital onde tudo acontece vai ter que aprender a lidar com o silêncio.
A partir de agora, o feirante vai tem de chamar a atenção da freguesa sem subir o tom da voz. Um decreto assinado pelo prefeito Gilberto Kassab (DEM) – que começou a valer no começo de abril – determina uma série de mudanças nas feiras livres da cidade e institui uma “lei do silêncio” para os profissionais das barracas.
A partir da sexta-feira (6), em pleno feriado da Paixão de Cristo, os moradores já podem reclamar dos ruídos das feiras livres. De acordo com o decreto, fica proibido “utilizar aparelhos sonoros durante o período de comercialização, bem como apregoar (proclamar em voz alta) as mercadorias em volume de voz que cause incômodo aos usuários da feira e aos moradores do local”.
Caso seja constatado que o tom de voz está acima do aceitável, os donos das barracas podem receber uma notificação, depois uma suspensão e, em caso de reincidência, a perda da matrícula na feira livre. A prefeitura, no entanto, promete não ser tão radical na aplicação da norma que determina o silêncio.
“Vamos trabalhar com o bom senso. (Caso haja reclamação) a prefeitura vai até lá verificar e fazer uso dos equipamentos que o Psiu (Programa de Silêncio Urbano) tem para conferir a consistência da reclamação”, diz o supervisor de abastecimento de São Paulo, José Roberto Graziano.
A nova medida tem o apoio do Sindicato dos Feirantes e Comércio Varejista de São Paulo. O presidente do sindicato, José Torres Gonçalves, diz que o decreto não vai impedir o tradicional contato entre feirante e consumidor. “É o charme da feira. Mas não a gritaria, o apregoar da mercadoria. Os feirantes não devem fazer algazarra”, afirma.
Mas a “lei do silêncio” não deixou os profissionais satisfeitos. “A venda é na raça. Eu grito mesmo, quem me conhece sabe”, afirmou a vendedora de frutas Sandra Aparecida Rodrigues, de 37 anos, que reclamava da nova medida enquanto chamava a atenção dos consumidores para a “pêra macia”.
Em uma banca ao lado, Valdecir Alves, de 28 anos, explicava por que o comércio nas feiras livres é feito no grito. “Se o vizinho está vendendo a 3 (reais) e eu, a 2, preciso chamar a atenção, senão vai todo mundo continuar comprando lá”, justificou. Para ele, o silêncio não combina com esse comércio popular. “Se parar de gritar, a feira acaba.”
Os freqüentadores também discordam da medida. “Eu acho errado porque eles vivem disso. É melhor eles gritarem do que roubarem”, disse Maria Lúcia de Almeida, de 69 anos. A dona-de-casa Tereza de Abreu, de 82, tem a mesma opinião. “Eu acho que perde a graça”, lamentou. Mas ela pondera que o grito “não precisa ser exagerado”.
Mudanças nas barracas
José Graziano afirma que o mais importante nas mudanças é criar uma regra única para as feiras livres da cidade. A divisão de São Paulo em subprefeituras permitiu, segundo ele, que a fiscalização ficasse fragmentada. Com o novo decreto, além dos fiscais das subprefeituras, haverá uma supervisão suplementar feita por técnicos com curso superior, como agrônomos e nutricionistas.
O supervisor de abastecimento disse que as mudanças começaram a ser pensadas desde 2005. A primeira medida foi garantir que os feirantes voltassem a pagar as taxas municipais. “O nível de inadimplência era em torno de 90%. Em dezembro de 2006, chegamos a 22%”, contou. Os feirantes pagam, em média, R$ 70 mensais para poderem trabalhar nas ruas. As barracas de peixe, entretanto, pagam mais caro, R$ 240 ao mês.
Entre as medidas do decreto está a limitação do horário das feiras entre 7h30 e 13h30. Os feirantes só poderão montar as barracas entre 6h e 7h30, para evitar que atrapalhem o sono dos moradores da região. O horário entre 13h30 e 15h será reservado para a desmontagem das barracas.
As novas normas também determinam o tamanho das barracas, de acordo com o produto comercializado. O jaleco e as lonas que cobrem as barracas também têm cores definidas. Até a embalagem dos produtos terá que mudar – os jornais não poderão mais ser usados para envolver os peixes. No lugar, os feirantes terão que usar papéis adequados.
A vendedora de peixe Janete Alvarenga Fonseca, de 44 anos, disse que as mudanças estão pesando no bolso dos feirantes. “Nós estamos realmente nervosos, mas estamos tentando seguir, o máximo possível”, disse.
Para o presidente do sindicato, as cores padronizadas vão garantir que a feira fique mais bonita. “O visual é bem melhor. Você vê a feira dos prédios, tudo colorido, é mais bonito. Tem coisa mais gostosa do que uma feira organizada?”, questionou.
Graziano defende que o consumidor tem papel determinante na qualidade das feiras livres. “O grande inimigo das feiras é a má feira. Porque têm como concorrentes os supermercados e o Mercado Municipal”, disse. “Quanto mais exigente é o munícipe na região da cidade, mais organizada é a feira.”
Globo.com