Oriente Médio

Taleban amplia repressão e manifestantes morrem em dia de protesto

Na quarta (18), ao menos três pessoas já haviam sido mortas ao protestar contra o Taleban na cidade de Jalalabad, 150 km a leste de Cabul.

Taleban amplia repressão e manifestantes morrem em dia de protesto

Os relatos são confusos até aqui, mas nos atos ocorridos ganharam ar de protesto contra os novos donos do poder, que reagiram do jeito que sabem: atirando. — Foto:Reprodução

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) — Em mais um dia em que suas promessas de moderação foram colocadas à prova, o Taleban reprimiu diversos protestos no leste do Afeganistão e em Cabul, provocando diversas mortes.

O grupo extremista islâmico retomou o poder no domingo (15), após conquistar a capital 20 anos depois de ser enxotado pelas forças ocidentais lideradas pelos Estados Unidos, que o puniram por ter protegido os terroristas que executaram o 11 de Setembro.

Desde então, os fundamentalistas têm dado repetidas entrevistas e declarações afirmando que não repetiriam seu governo anterior, de 1996 a 2001, no qual implantaram um simulacro de califado islâmico medieval, onde não havia direitos humanos e a brutalidade imperava.

Na quarta (18), ao menos três pessoas já haviam sido mortas ao protestar contra o Taleban na cidade de Jalalabad, 150 km a leste de Cabul.

Já nesta quinta, centenas de manifestantes foram às ruas em Cabul e outras cidades para celebrar o tradicional Dia da Independência, no caso o fim do jugo britânico em 1919. Levando o pavilhão nacional afegão, elas gritavam “Nossa bandeira, nossa identidade” e o usual “Alá é o maior” nas ruas.

Os relatos são confusos até aqui, mas nos atos ocorridos ganharam ar de protesto contra os novos donos do poder, que reagiram do jeito que sabem: atirando. Em Asadabad (Kunar, leste afegão), testemunhas disseram à agência de notícia Reuters que houve um pequeno massacre.

“Centenas foram para as ruas. No começo eu estava com medo e não queria ir, mas quando eu vi meus vizinhos se juntando ao ato, peguei uma bandeira que tinha em casa e fui. Várias pessoas morreram e ficaram feridas no corre-corre e pelos tiros do Taleban”, disse Mohammed Salim.

Houve confusão também em Jalalabad e Khost, outra cidade importante a leste, e em Cabul, mas sem informações sobre vítimas. O Taleban, procurado por agências de notícias, não se pronunciou.

Mesmo que haja exageros, dada a dificuldade de aferição da realidade pela imprensa local e pelos cada vez mais raros jornalistas ocidentais no Afeganistão, uma coisa é certa: o Taleban terá de lidar com mais resistência popular do que na sua encarnação passada.

Em 1996, o grupo vencera uma guerra civil amarga, iniciada em 1992, após os turbulentos anos de governo dos guerrilheiros islâmicos que haviam emergido vitoriosos da ocupação soviética de 1979 a 1989.

O país era um amontoado de ruínas, sem infraestrutura, e não havia a comunicação instantânea de hoje. Por todas suas falhas conceituais, os 20 anos de presença ocidental melhoraram um pouco as condições de vida e, principalmente, a liberdade e interconectividade dos afegãos.

Se isso irá se estruturar em uma oposição real ao grupo, é outra história. Nesta quinta, o chanceler russo, Serguei Lavrov, afirmou que há um bolsão de resistência sendo organizado no mítico vale do Panjshir, uma cênica região montanhosa 100 km a noroeste de Cabul.

“O Taleban ainda não controla todo o Afeganistão”, disse Lavrov, cujo país tem feito uma abertura cuidadosa nos contatos com os fundamentalistas, diferentemente da China, que deu apoio mais explícito aos radicais.

Segundo ele, a resistência é liderada por um dos vice-presidentes do regime derrubado, Amrullah Saleh, e Ahmad Massoud, o filho do “leão de Panjshir”, o maior heroi nacional daqueles que lutaram contra o Taleban nos anos 1990, Ahmad Shah Massoud.
Saleh, que se diz o presidente interino de fato do país, postou no Twitter palavras de apoio aos manifestantes, pedindo que levassem bandeiras afegãs para as ruas.

O problema para ele é semelhante ao que afligiu o pai de Massoud, que foi morto numa ação cinematográfica, na qual terroristas se fingiram de repórteres e explodiram tudo com a câmera-bomba numa entrevista dois dias antes do 11 de setembro de 2001.
Panjshir nunca caiu para o Taleban, sendo a base da Aliança do Norte, grupo que misturava tribos de etnias minoritárias, como tadjiques e uzbeques, em oposição à base majoritária dos fundamentalistas, os pashtuns (40% dos 37 milhões de afegãos).

Ao longo dos anos talebans, cerca de 10% do território ficou com esses opositores, mas o governo foi tocado a partir de Cabul. Na realidade, se não fosse o 11 de Setembro, eles provavelmente teriam sido eliminados pelo Taleban.

Além disso, como egresso do governo do presidente que fugiu, a liderança de Saleh é questionável. Nesse sentido, é mais importante descobrir qual será o movimento de senhores da guerra poderosos como Abdul Rashid Dostum, um uzbeque étnico que comandava as defesas de Cabul e sumiu no dia da chegada do Taleban.

Enquanto isso, os talebans vão montando seu governo, a partir de consultas com líderes como o ex-presidente Hamid Karzai e o ex-chanceler Abdullah Abdullah, na quarta. Até Ghani, exilado em Abu Dhabi, se disse interessado em voltar.

O Ocidente se faz de desentendido e, com o desengajamento dos EUA e a posição europeia de considerar os talebans no poder um fato consumado, o caminho parece aberto ao grupo. “É o acontecimento geopolítico mais importante desde a anexação da Crimeia [pela Rússia] em 2014”, disse o chefe da diplomacia da União Europeia, Josep Borrell, dizendo que era peciso negociar com os fundamentalistas.

Declarada a volta do Emirado Islâmico do Afeganistão e a reintrodução da sharia, a lei islâmica, resta agora saber como isso se dará na prática. Moderação e sharia não andam juntas: a leitura estrita do texto legal muçulmano feita pelo Taleban levou às barbaridades cometidas contra opositores, minorias e, mais famosamente, mulheres.

Ainda que porta-vozes como Zabihullah Mujahid tenham dito que haverá liberdade feminina no país, o aposto “de acordo com os limites da sharia” repetido por ele e outros, gera justificada desconfiança.

E há a crise contínua no aeroporto de Cabul, palco de ao menos 12 mortes desde domingo -inclusive o símbolo do fracasso da retirada americana decretada pelo presidente Joe Biden em abril, os afegãos que se agarraram a cargueiros decolando e morreram ao cair do céu.

A saída das forças, que acaba dia 31 mas pode se estender até o fim das evacuações, foi o gatilho para a ofensiva taleban, que em duas semanas tomou conta de todo o país. Biden lavou as mãos e defendeu sua decisão, que de resto ratificou um acordo entre EUA e Taleban feito pelo antecessor, Donald Trump.

Nesta quinta, o Taleban cercou o aeroporto e impediram o acesso de civis afegãos sem passaporte e visto no local. As forças americanas, que protegem a embaixada transferida para a área e organizam a evacuação, se queixaram — embora, na véspera, a Otan (aliança militar ocidental) tenha determinado a mesma restrição.

Resultado, há filas e cenas de campos de refugiado em plena capital. Embaixadas ocidentais reportaram ter retirado cerca 8 mil pessoas em voos militares desde o domingo, mas a situação segue incerta.

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