O Globo
Foram 110 dias sem deixar o hospital, 78 deles dentro de um CTI e 22 em coma induzido. Por três vezes, parentes e amigos mais próximos ouviram da equipe médica que deveriam estar prontos para o fim que poderia ter a batalha de Chico Anysio. Batalha solitária contra sucessivas infecções pulmonares que cismavam em agravar o seu estado de saúde após uma cirurgia no coração. Grande parte deste sofrimento, do qual foi protagonista, Chico não tem lembrança – o que considera uma sorte – e só ficou sabendo depois, quando ouviu os relatos de quem acompanhou muito de perto esse período tão delicado, como a sua mulher, Malga Di Paula, de 41 anos, com quem está casado há 13.
– Sobrevivi a isso tudo porque sou forte, sou nordestino. Não tenho medo de morrer. Só acho uma pena, quando ainda tenho tanta coisa a fazer, para ver, tanto filho para ajudar, tanto neto. Mas, um dia, vamos morrer. Não posso lutar contra o inevitável – diz Chico.
O momento tão delicado antecedeu a chegada dos seus 80 anos, recém-completados no dia 12 de abril e comemorados com um jantar em casa.
– Pior do que ter 80 anos é não chegar a tê-los. Eu ainda vou dar trabalho para muita gente. ( Oscar) Niemeyer está com 103… Eu não me sinto velho. Eu me sinto com 80. A cada dia a gente envelhece um pouco, não me preocupo – avisa.
Para alegria dos que o cercam e do público que há 41 anos ri de suas piadas na TV Globo, Chico não apenas voltou para o lar, como também para o trabalho. Aos poucos, é claro. Salomé, aquela que puxava a orelha do presidente João Batista Figueiredo, agora dá expediente semanal no "Zorra total", controlando, por telefone, as decisões da atual presidente Dilma Rousseff.
– Ter voltado a gravar foi importante demais. O trabalho é a minha vida, é tudo. Eu sempre soube que iria voltar. Só restava saber quando. Numa visita, o ( Maurício) Sherman ( diretor do humorístico) me perguntou quando eu achava que isso iria acontecer. Eu disse "Por mim, começo hoje", mas achava que só seria possível em maio. Ele apostou em abril e acabou acontecendo assim – conta Chico. – Eu sou um trabalhador. Eu não acredito em inspiração, mas em transpiração – acrescenta.
Ele explica que a escolha da personagem para o seu retorno foi uma sugestão do próprio Sherman:
– A Salomé é um hit. Conversar com a presidente é uma bossa. A gente faz as críticas ali. É um quadro simpático e que defende o povo.
A primeira gravação após a internação aconteceu mês passado, na casa de Chico. No dia marcado, a equipe do humorístico da Globo "invadiu" a sala do apartamento da Barra da Tijuca.
– Acho que vieram umas 40 pessoas para cá: carpinteiro, contrarregra, iluminador, eletricista, câmera, figurino, maquiagem. Todo mundo com saudade. Foi bom revê-los, são colegas meus de tantos anos – afirma ele, que soube muito bem controlar a emoção por retomar o batente: – Não tenho mais idade para esses nervosismos…
O estado de saúde de Chico ainda requer cuidados. Diariamente, o humorista conta com uma turma de seis profissionais. São dois enfermeiros, uma fonoaudióloga, uma médica e dois fisioterapeutas.
– Eu gosto de ser cuidado. Não fico querendo logo ter a minha independência. Quem tem que ter independência é país africano – brinca. – Eu estou muito bem. Só tenho um problema: estou reaprendendo a andar, mas já consegui dar 28 passos. É um bom começo. Tenho que ter paciência porque perdi o equilíbrio depois de mais de 100 dias deitado – explica ele, ainda na cadeira de rodas.
Entre a equipe médica tem até quem assuma o seu lado fã e peça para tirar foto ao lado do paciente famoso. Já para Eduardo Garrido, que trata há 15 anos do humorista com sessões de fisioterapia, Chico virou um conselheiro:
– Ele é meu orientador. Desde que perdi o meu pai, me ajuda em qualquer decisão. Venho atendê-lo e passo boa parte do dia o escutando.
Ao ouvir o elogio, Chico não perde a piada:
– Ele prefere a ( economista) Maria da Conceição Tavares ( risos). É seu fisioterapeuta também, mas ela ainda fuma e eu já parei há mais de 20 anos – lembra ele, que está abrindo ao lado da mulher a Fundação Chico Anysio, em apoio à pesquisa ao tratamento com célula tronco e ao combate ao tabagismo: – Fumar é uma bobagem. Enfisema foi o mínimo que Deus poderia ter me dado como castigo. Acho que não tive um câncer de pulmão porque sou para cima. O Vinícius ( de Moraes) dizia que o câncer é a tristeza das células. É muito difícil uma pessoa alegre ter isso.
Como o volume de trabalho não tem sido puxado, Chico tem passado boa parte do tempo em casa. A TV da sala sintoniza sempre em programas de esporte. Além de não perder nenhuma partida do campeonato europeu e dos times Vasco e Palmeiras, o humorista diz que se interessa por todas as modalidades.
– Só não vejo mais porque ando dormindo cedo, entre meia-noite e 1h – diz ele, habituado a ir para cama lá pelas 3h da manhã: – Noticiário eu vejo de vez em quando. É muita notícia triste, muita tragédia. Não estou preparado. Já novelas e séries, não gosto. Tampouco, programas de humor. E nem quero falar sobre esse assunto. Eu não entendo de humor para dar palpite.
Outro hábito televisivo descartado por Chico foi assistir à série "House":
– Parei de ver. Estou com pavor de hospital.
Com bom humor, ele acredita que o ocorrido não mexeu tanto assim com a rotina de sua família. Chico tem oito filhos: Lug, André, Cícero, Nizo, Bruno, Rico, Rodrigo e Vitória.
– Eles nunca mais apareceram ( risos). Apenas três vieram aqui outro dia, o Nizo, o Bruno e o Cícero. Alguns foram contra eu mudar de médico no meio do tratamento e criaram um atrito sério com a Malga. Ela tomou a decisão, desafiando a todos. E eu estou salvo por isso. Apesar de me retratar ser meu esporte favorito, infelizmente os meus filhos não têm esse padrão. Eles devem um grande pedido de desculpas a Malga, menos o Nizo, o Bruno e o Cícero – ressalta Chico, sem esconder a tristeza em relação ao episódio: – Eu achava que todos tinham se saído a mim por não terem inimigos, não serem drogados, ladrões, bandidos; por trabalharem, terem talento e serem gostados. A maior vitória da minha vida foi criar sete homens no Rio, no meio de TV, e nenhum deles se deteriorar. Mas, no frigir dos ovos, na hora do caldo, quase todos se saíram às mães.
Em relação aos mais novos, Rodrigo, 19, e Vitória, 17, que vivem em Nova York com a mãe, a ex-ministra Zélia Cardoso de Mello, Chico lamenta a distância que o impossibilita de dar mais conselhos, principalmente, ao rapaz.
– Vitória chora muito com pena de mim. É um amor. E, na idade em que Rodrigo está, o pai é muito importante. Acho que eu faço mais falta a ele do que ele a mim. Era para ficar comigo e a Vitória, com a mãe. Tem coisas que só homem entende, tem que fazer, saber, sentir, obedecer. Eu preciso passar para ele, como fiz com os demais. Já Vitória é uma moça linda, não depende nada de mim – explica.
No dia a dia, Chico tem ao lado a esposa, incansável nos cuidados e carinhos .
– Agradeço a Malga, que foi o esteio da minha vida. Se ela não tivesse trocado de médico, eu teria morrido. Foi uma decisão preciosa. Sem a Malga, eu não seria ninguém. Eu nem seria – afirma ele, valorizando cada atitude da parceira: – Ainda no hospital, ela dizia ao meu ouvido "Eu vou tirar você daqui, eu vou levar você de volta para casa". E, quando eu cheguei, trazido pela ambulância, a primeira pessoa que eu vi foi ela e lhe disse: "Parabéns, você cumpriu com o prometido".
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