Europa

Eutanásia é aprovada pelo parlamento em Portugal; lei que regulariza morte assistida

Agora, o presidente português, Marcelo Rebelo, ex-líder do PSD, de centro-direita, mas eleito como independente, poderá promulgar ou vetar a lei.

Eutanásia é aprovada pelo parlamento em Portugal; lei que regulariza morte assistida

Cada caso terá de ser avaliado por dois médicos. A Ordem dos Médicos de Portugal se posicionou contra a descriminalização. — Foto:RAFAEL MARCHANTE / REUTERS

LISBOA — Todos os cinco projetos de eutanásia em Portugal foram aprovados pelo Parlamento nesta quinta-feira. Os textos propostos estabelecem a prerrogativa da morte assistida aos portugueses e também aos residentes no país, maiores de idade com doenças incuráveis e em fase de sofrimento duradouro e insuportável.

Em janeiro, o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) informou que o número de brasileiros vivendo legalmente em Portugal, e que, portanto, poderá se beneficiar da lei, em caso de sanção, era de 150.854 pessoas, representando 1 em cada 4 imigrante residente no país.

Os projetos foram apresentados pelo Partido Socialista (PS), Bloco de Esquerda, Pessoas Animais Natureza (PAN), Partido Ecologista os Verdes (PEV), todos de esquerda, e a Iniciativa Liberal (IL), de centro-direita. Juntos, os partidos já tinham a maioria dos votos para aprovar uma nova legislação sobre o tema.

Agora, o presidente português, Marcelo Rebelo, ex-líder do PSD, de centro-direita, mas eleito como independente, poderá promulgar ou vetar a lei. Cabe a Rebelo decidir se ela é devolvida para nova apreciação do Parlamento ou encaminhada diretamente ao Tribunal Constitucional, equivalente ao STF no Brasil. A atual composição do Tribunal tem maioria progressita.

A nova legislação determina que o paciente terá de fazer o pedido de forma consciente e lúcida, com exceção para pessoas com transtornos mentais. Cada caso terá de ser avaliado por dois médicos. A Ordem dos Médicos de Portugal se posicionou contra a descriminalização.

Debate no país
Médicos contra a medida e representantes religiosos foram recebidos para consultas na Presidência durante as discussões sobre o tema. As penas em Portugal para eutanásia hoje, antes da aprovação final da legislação, variam de um a oito anos de prisão.

Nesta quinta-feira, centenas de portugueses, jovens e idosos, protestaram fora do parlamento contra a legalização da eutanásia.

De acordo com o jornal português Público, um estudo do Instituto Universitário de Lisboa (ICS/IUL) apontou que 43% dos entrevistados apoiam a legalização da eutanásia, contra 28% que discordam. Foram ouvidas 1.500 pessoas.

Outra pesquisa recente, do Instituto Universitário Egas Moniz, mostrava que 50,5% seram favoráveis à eutanásia. Idosos com menor nível de escolaridade e que se identificam com alguma religião foram os que mais se opuseram à medida.

Brasil não tem projeto para legalizar a prática
Ao contrário de Portugal, no Brasil não há projeto de lei que vise legalizar a morte assistida. Em 1996, um projeto de autoria do então senador Gilvam Borges (MDB-AP) que autorizaria “a morte sem dor” foi enviado ao Senado, mas arquivado em janeiro de 1999.

O Brasil não tem lei específica para os casos de eutanásia. Quando um profissional de saúde interrompe de forma ativa a vida de um paciente — dando uma injeção letal, por exemplo —, ele é julgado com base no artigo 121 do Código Penal, acusado de homicídio doloso, cuja pena vai de seis a 20 anos de prisão. A punição pode ser atenuada caso o juiz considere que o crime foi cometido por “motivo de relevante valor social ou moral”.

— O Código de Ética Médica veda esse tipo de prática. Além de responder a um julgamento criminal, o médico ainda terá sua conduta avaliada e poderá ter sua licença cassada — explica Henderson Fiirst, presidente da Comissão Especial de Bioética e Biodireito da OAB Nacional.

Uma resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM) de 2006 permite a prática da ortotanásia no Brasil — que consiste em “limitar ou suspender procedimentos e tratamentos que prolonguem a vida do doente em fase terminal, de enfermidade grave e incurável, respeitada a vontade da pessoa ou de seu representante legal”. Na época, o Ministério Público Federal entrou com uma ação para suspender a prática, mas em 2010 mudou de postura e passou a defender a legalidade do procedimento.

De acordo com Fiirst, o projeto de lei para o Novo Código Penal, que tramita no Senado, diferencia a eutanásia da ortotanásia, tipificando a primeira como crime e a segunda, não.

Para João Andrade, presidente da Sociedade Brasileira de Bioética Regional do Rio de Janeiro, a discussão sobre a eutanásia no Brasil não deve ser iniciada antes que o país estabeleça uma política de cuidados paliativos eficiente.

— Caso contrário, há um grande risco de o paciente tomar uma decisão por não ter tido condições de lidar com a doença da melhor maneira, sem sentir dor.

Missas são dedicadas à discussão do tema
Na última década, sete portugueses escolheram morrer na Suíça e o país tem sido criticado pelos opositores da ideia por incentivar o que eles classificam de “turismo da morte”. Em 2019, a Dignitas auxiliou 256 pessoas que queriam morrer com dignidade. Outra organização semelhante na Suíça, a Exit, informou ter ajudado no suicídio assistido de 1.204 pessoas em 2018.

Diante da perspectiva de aprovação da eutanásia, que em 2018 foi derrubada no Parlamento português por diferença de apenas cinco votos, a Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) anunciou apoio ao projeto de um referendo proposto pela Federação Portuguesa pela Vida (FPV).

De acordo com o estudo “Atitudes face à eutanásia na população portuguesa”, do Egas Moniza, 67% dos portugueses são a favor de uma consulta popular. Um abaixo-assinado pelo referendo reuniu 18.760 assinaturas até a noite de terça-feira, mas o plebiscito ainda tem que ser aprovado pelo Parlamento, o que é considerado improvável por conta da maioria da esquerda.

O bispo da diocese de Braga, D. Jorge Ortiga, afirmou que não “pode permitir que alguns deputados queiram decidir por nós”. Em nota oficial, os bispos portugueses apontaram os cuidados paliativos como alternativa digna. Eles citaram frase do Papa Francisco e apelaram aos profissionais de saúde para manterem “a dignidade e a vida da pessoa, sem qualquer cedência a atos como a eutanásia, o suicídio assistido ou a supressão da vida, mesmo se o estado da doença for irreversível”.

Movimentos civis a favor da eutanásia, tanto em Portugal quanto na Espanha, assim como parentes de doentes terminais, argumentam, no entanto, que a medida já é praticada de forma velada em toda Península Ibérica.

— Meu pai pediu aos médicos para morrer. Diziam que não. Administravam morfina só através de adesivos. No dia em que injetaram a morfina, ele morreu, seus órgãos foram à falência, ficou sereno, de olhos fechados. Eu estava lá quando ele morreu. Foi uma aceleração do processo, embora digam que não — disse Sandra Barbosa, do Porto.

Membro da comissão coordenadora da Associação Direito a Morrer com Dignidade, o psicólogo Paulo Jorge Santos revelou:

— Em um inquérito realizado de forma anônima, seis médicos confessaram que praticaram eutanásia em Portugal. E os portugueses que têm meios, vão à Suíça para morrer longe da família em um quarto de hotel. Além da violência de fazer a pessoa sair de sua casa neste estado, é uma discriminação, porque (a eutanásia) só é permitida aos ricos — explicou Santos.

A discussão na Europa e Oceania

A votação em Portugal acontece no momento em que a eutanásia está em debate na Europa e Oceania. Na última semana, o Parlamento da Espanha aprovou proposta do Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE), do primeiro-ministro Pedro Sánchez, para regulamentar a morte assistida aos maiores de idade com doença incurável e sofrimento extremo, incluindo dor psicológica. O projeto seguiu para as comissões específicas e a decisão deve sair em junho.

Na Espanha, o Colégio de Clínicos de Madri, em consulta interna, diz que 70% dos médicos defendem a possibilidade de morte assistida. O engenheiro Pedro Martínez Chico criou nas redes sociais o movimento “Pela legalização eutanásia na Espanha” e também divulga um abaixo-assinado, mas para pressionar o governo:

— Conheço um caso na Espanha onde os médicos, para evitar a “crueldade hospitalar”, ajudaram uma pessoa a interromper o sofrimento. Era alguém muito próximo a mim. Ou seja, a eutanásia já é praticada na Espanha, embora seja ilegal. Meu pai tem 87 anos, está saudável, mas quer a possibilidade de uma morte digna. Penso que podemos decidir por nós mesmos, é um direito fundamental — diz o engenheiro.

O governo da Holanda, país pioneiro na eutanásia, discute a distribuição de um comprimido letal a idosos a partir de 70 anos, sem doença terminal, mas que afirmem estar “fartos de viver”.

Em setembro de 2019, o Tribunal Constitucional da Itália, equivalente ao STF brasileiro, decretou que nem sempre é crime ajudar uma pessoa a realizar suicídio assistido. A decisão proporcionou a absolvição, em dezembro, do ex-eurodeputado liberal Marco Cappato. O político auxiliou o músico Fabiano Antoniani, o DJ Fabo, a morrer na Suíça em 2017. Fabo tinha 40 anos e ficou cego e tetraplégico após um acidente.

Já na Oceania, em 19 de setembro, a população da Nova Zelândia decidirá em referendo se quer a eutanásia. A maioria (57%) é favorável de acordo com pesquisa da Curia Market Research. Em 2019, o estado australiano de Victoria aprovou a medida.

Holanda
A eutanásia e o suicídio assistido são permitidos para pessoas com doença incurável. Foi o primeiro país europeu a regulamentar a prática da eutanásia, em 2002. Pode ser pedida, inclusive, por menores de idade, mas com autorização dos pais e, a partir dos 16 anos, sem consentimento. Em 2018, 6.126 pessoas a praticaram.

Bélgica
A eutanásia ativa passou a ser permitida em 2002 para casos de doenças incuráveis. Em 2014 foi ampliada a menores de idade, sem limitação, desde que provem estar com total capacidade mental. Um dos casos mais emblemáticos foi o de uma criança de 9 anos com tumor cerebral. Em todo o país, 2.357 pessoas se beneficiaram da legislação em 2018.

Luxemburgo
A Lei da Eutanásia local está em vigor desde 2009. Em 2019, a eutanásia e o suicídio assistido passaram a ser considerados morte natural. Foram registrados 71 casos ao todo.

Suíça
É admitida a prática do suicídio assistido.

Uruguai e Colômbia
Descriminalizaram a eutanásia passiva por via judicial. É caraterizada como homicídio piedoso, desde que o agente não tenha antecedentes criminais e o beneficiado pel legislação tenha suplicado categoricamente pelo ato.

EUA
Eutanásia criminalizada e suicídio assistido permitido nos estados de Oregon, Washington, Vermont, Montana, Califórnia e em parte do Novo México.

Canadá
O Supremo Tribunal do país considerou inconstitucional, em 2015, a proibição do direito ao suicídio assistido. A prática foi legalizada em 2016 e em 2018 foi feita por três mil pessoas.

Austrália
O estado de Victoria permitiu em 2019 o suicídio assistido para maiores de idade.

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