Levantamento do G1 mostra que pelo menos 36 obras da construtora Gautama estão sob suspeita em 11 estados e no Distrito Federal. São obras paradas, suspensas e até mesmo interrompidas devido ao cancelamento dos contratos.
A Operação Navalha, deflagrada em 17 de maio, lançou suspeitas sobre a atuação da empresa ao desmontar um esquema de superfaturamento de obras públicas e fraude em licitações. O proprietário da Gautama, Zuleido Soares Veras, foi preso pela Polícia Federal junto com outros 16 funcionários da empresa, entre diretores e engenheiros.
Os problemas com obras da empreiteira não começaram com as investigações da Navalha. Em muitos casos, os processos e indícios de irregularidades são antigos. Já em outros, a operação levantou suspeitas e gerou novas investigações, como no caso da Companhia Energética do Piauí (Cepisa), que suspendeu o contrato da construtora para obras do Programa Luz para Todos.
A divulgação das suspeitas pode ter conseqüências ainda maiores para a Gautama. Recentemente, a Controladoria-Geral da União (CGU) recomendou ao Ministério da Integração Nacional que a construtora seja declarada sem idoneidade para participar de concorrências da administração pública.
Outro lado
O advogado Luiz Fernando Pacheco, que cuida da defesa de Zuleido e dos funcionários da Gautama na esfera criminal, disse que a empresa não comentará eventuais irregularidades em obras sob suspeita.
Ele afirmou que a Gautama ainda contratará um escritório de advocacia para cuidar das questões administrativas da empresa. Por ora, informou, a Gautama não se manifestará.
Confira abaixo as obras da Gautama com algum tipo de problema em cada estado:
Alagoas
Com a realização da Operação Navalha, o governador Teotônio Vilela Filho (PSDB) determinou que todos os contratos entre o governo do estado e a construtora passem pela análise da Controladoria-Geral do Estado.
Os principais contratos analisados são dois: construção da barragem Duas Bocas, que está parada, e Macrodrenagem do Tabuleiro do Martins, que previa captação, distribuição e tratamento de água.
Amapá
O Tribunal de Contas da União (TCU) investiga as obras de construção do novo aeroporto de Macapá. O tribunal determinou à Infraero que não efetue qualquer pagamento à Gautama até que a inspeção seja concluída.
O contrato inclui a construção de um terminal de passageiros, construção de prédio e ampliação do pátio de aeronaves.
Segundo o TCU, há indícios de superfaturamento em alguns itens do contrato. A licitação, de acordo com o tribunal, pode ter sido montada de forma a prejudicar a participação de outras empresas na concorrência.
Segundo informações da assessoria do governo do Amapá, metade do pátio e parte do terminal de passageiros já foram construídos. A previsão é que fossem concluídas até o fim do ano.
Amazonas
No Amazonas, duas ações de órgãos federais paralisaram obras da Gautama. Na primeira, o Departamento de Infra-Estrutura de Transportes (Dnit) cancelou o contrato de pavimentação de 204 quilômetros da rodovia BR-319, na divisa do Amazonas com Rondônia.
Entre as supostas irregularidades listadas, há o fato de as obras terem começado antes da aprovação do projeto.
Também há indícios de superfaturamento. Em 2002, o contrato foi transferido ao Dnit com valor de R$ 91,6 milhões – R$ 4,4 milhões a mais do que o cálculo previsto no projeto da obra que já havia sido aprovado.
O contrato com a Gautama para realização das obras na BR-319 foi assinado em 2000 pelo Departamento Nacional de Estradas de Rodagem (DNER) em convênio com o governo do Amazonas. Com a extinção da autarquia, o contrato foi assumido, em 2002, pelo Dnit.
O Ministério dos Transportes determinou ao Dnit a instauração de um processo administrativo para apurar a responsabilidade sobre as denúncias.
Já o TCU determinou à Petrobras que suspenda o pagamento de R$ 1,8 milhão referentes a serviços em sistemas de produção de óleo e gás natural no município de Urucu.
Segundo o tribunal, parte do serviço foi executado com insumos e dimensões diferentes dos apresentados inicialmente. Além disso, o valor retido se refere a impostos utilizados na formação de preço, mas que não teriam sido recolhidos pela empresa.
Bahia
O Dnit realiza auditoria nas obras na rodovia BR-342, concluídas em agosto de 2004. Foram gastos R$ 8,4 milhões na restauração e manutenção da estrada.
Segundo o Ministério dos Transportes, a licitação tinha cláusulas que dificultavam a participação de outras empresas na concorrência e foram feitos reajustes não previstos no edital e no contrato.
Distrito Federal
O projeto de construção da barragem do Rio Preto, próxima ao município de Planaltina, não saiu do papel.
A obra foi licitada em 2001. Em 2002, a Gautama elaborou o projeto. Dos R$ 146 milhões previstos, a empresa recebeu R$ 3,37 milhões. Os repasses foram suspensos neste ano pelo governo do Distrito Federal, que alegou falta de dinheiro para continuar a obra. A Corregedoria do DF está analisando o contrato.
O deputado distrital Pedro Passos (PMDB) teve o nome envolvido no caso por suspeita de recebimento de propina para liberação de emendas para a obra. Flagrado em conversas telefônicas com funcionários da Gautama, o deputado alegou que tratava de pagamentos por venda de cavalos.
Maranhão
O contrato de pavimentação da rodovia BR-402 foi cancelado. Segundo o Dnit, uma auditoria no contrato assinado com o governo do Maranhão mostrou irregularidades.
Pontes teriam sido construídas antes da celebração do convênio. A empresa teria omitido a existência das pontes para incluí-las no plano de trabalho como se ainda fossem ser construídas.
Além disso, alega o Dnit, a Gautama não levou em consideração normas e procedimentos técnicos.
Mato Grosso
A Justiça proibiu que a Prefeitura de Sinop (MT) e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) assinassem um convênio para a construção de uma rede de esgoto na cidade.
Orçada em R$ 46 milhões, a obra seria executada pela Gautama. O BNDES entraria com R$ 38,2 milhões. O restante seria complementado pela prefeitura.
O prefeito de Sinop, Nilson Leitão (PSDB), chegou a ser preso na Operação Navalha por suspeita de recebimento de propina pela construtora. Leitão diz que teve encontros com Zuleido Veras, mas nega fraude na licitação da obra.
Pernambuco
As obras de calçamento e drenagem na praia de Porto de Galinhas estão sendo investigadas pelo Ministério Público Estadual (MPE), que abriu um procedimento administrativo.
Segundo o promotor Miguel Sales, há indícios de irregularidades, como o atraso nas obras e os aditamentos feitos no contrato.
As obras teriam sido iniciadas em 2003, com um orçamento de R$ 32 milhões. O promotor disse que o convênio previa verbas da Fundação Nacional de Saúde (Funasa), Ministério da Integração Nacional, Prefeitura de Ipojuca (PE) e do governo de Pernambuco. Ainda não se sabe quanto foi pago.
Piauí
A Companhia Energética do Piauí (Cepisa) suspendeu o contrato com a Gautama para obras do Programa Luz para Todos.
A construtora venceu a concorrência para fazer 15 mil ligações de energia elétrica. O primeiro lote, de 400 ligações, deveria ter sido entregue em meados de março, mas, segundo a Cepisa, as obras não estavam prontas.
O contrato, suspenso após a Operação Navalha, está sendo auditado pela Eletrobrás.
Rio de Janeiro
O Tribunal de Contas do Estado (TCE) está analisando 19 contratos da Gautama no Rio de Janeiro, com valor total de cerca de R$ 230 milhões.
Até processos já arquivados, como um projeto de obras de infra-estrutura em Niterói, contratado em 1999, serão revistos.
As obras inspecionadas teriam recebido contrapartida de municípios fluminenses e da Companhia Estadual de Habitação (Cehab).
São Paulo
O Tribunal de Contas do Estado condenou licitações vencidas pela Gautama nas prefeituras de Mauá e Embu entre 1996 e 2003.
O contrato de Mauá, assinado em janeiro de 2003, permitiu a concessão de serviços de tratamento de esgoto por 30 anos para a Ecosama, subsidiária da Gautama. O TCE constatou indícios de direcionamento da licitação para favorecer a construtora.
A Ecosama recebe o valor pago pelos moradores de Mauá na conta de água. De uma conta de R$ 17,10 por exemplo, a construtora fica com R$ 7,60 pelos serviços de coleta de esgoto. Em troca, a Ecosama deveria ampliar o saneamento básico de Mauá, mas na área destinada a uma estação de tratamento, existe apenas um aterro.
Em Avaré, o Ministério Público abriu um inquérito para investigar uma licitação para obras contra enchentes, no total de R$ 60 milhões. O processo de concorrência foi feito pela prefeitura do município em 2002.
Segundo o TCU, a prefeitura exigiu um tipo especial de tubulação para a obra e profissionais com atestado de habilitação para instalar esses mesmos tubos. De tão específica, a exigência teria beneficiado a Gautama e excluído sete das nove empreiteiras concorrentes.
O TCE também analisa um contrato de obras de saneamento ambiental em Peruíbe. A licitação foi vencida pela empresa Gomes Lourenço, líder de um consórcio do qual faz parte a Gautama.
Segundo informações da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp), o contrato não foi assinado, não ocorreram desembolsos e as obras ainda não foram iniciadas.
Sergipe
As obras de construção de quatro barragens no município de Poço Verde (SE) foram interrompidas em 2002 por indícios de irregularidades e superfaturamento no contrato com a prefeitura.
O TCU condenou a licitação e a execução da obra, condenando a Gautama a devolver R$ 44,8 mil aos cofres públicos.
Segundo o tribunal, o projeto foi alterado depois da licitação, reduzindo pela metade o número de barragens a serem construídas.
De acordo com o TCU, o contrato foi anulado e será feita nova licitação. O Ministério Público Federal (MPF) está investigando o caso.
Também há suspeitas sobre a obra de duplicação de uma adutora do Rio São Francisco. Seriam construídos 52 quilômetros na rede de captação de água do rio para Aracaju, pela qual a Gautama recebeu mais de R$ 220 milhões. O MPF calcula que tenha havido um superfaturamento de ao menos R$ 10 milhões.
G1