Saúde

Morte não é inevitável para seres vivos, dizem cientistas

O conselho é mais velho do que andar pra frente, mas não é menos válido por causa disso: cuidado com […]

O conselho é mais velho do que andar pra frente, mas não é menos válido por causa disso: cuidado com o que você deseja.

O exemplo mais aterrador de falta de cuidado com desejos que me vem à cabeça envolve um sujeito chamado Titono, personagem da mitologia grega. Eis um cara que tinha tudo: príncipe de Tróia, um dos homens mais belos de seu tempo, reza a lenda que ele era tão charmoso que nem Eos, a deusa da Aurora, resistiu aos seus encantos. Apaixonada pelo rapaz, Eos pediu que Zeus, o chefão dos deuses, transformasse Titono em imortal. Mas o desejo da deusa tinha sido terrivelmente mal formulado: ela esqueceu de pedir que Titono também ficasse eternamente jovem. O resultado é que, embora não morresse, ele foi se tornando cada vez mais enrugado e carcomido, até acabar virando… um gafanhoto imortal. (Releve a falta de verossimilhança; afinal, é mitologia.)

Titono pode não passar da criação de algum bardo grego com imaginação hiperativa, mas a idéia de que algo intrinsecamente horrendo está associado à busca pela imortalidade continua a nos acompanhar. Como de hábito, no entanto, isso não tem impedido os cientistas de investigar o misterioso processo que produz a velhice e a morte. E o que eles andam descobrindo é surpreendente.

Em primeiro lugar, pode ir tirando da cabeça aquela velha definição sobre os seres vivos que a sua professora do primário certamente fazia a classe repetir em uníssono. (Aposto que ela dizia algo como “os seres vivos NASCEM, CRESCEM, REPRODUZEM-SE, ENVELHECEM e MORREM”, certo?) Acontece, porém, que envelhecer e morrer aparentemente são processos que não estão no mesmo nível dos três anteriores.

Os seres vivos complexos e de muitas células, como plantas, fungos e animais humanos e não-humanos, possuem um programa genético detalhado para guiar seu nascimento, crescimento e reprodução, mas pelo visto não existe nenhum programa parecido que guie a velhice e a morte. Em outras palavras, envelhecer e morrer são acidentes de percurso, efeitos colaterais de processos que não têm relação direta com um fim “intencional” da vida. Resumindo: a mortalidade seria, em princípio, algo evitável.

Se você duvida, pergunte a qualquer bactéria. Em condições ideais, esses microrganismos são literalmente imortais. Abasteça uma bactéria com uma situação ambiental hospitaleira e muita comida e você verá a criatura clonar a si mesma num ritmo alucinante, sem nenhum sinal de velhice. É claro que, como não existem recursos infinitos nem ambientes eternamente aconchegantes no mundo real, esse tipo de explosão nunca dura muito. Mas, em princípio, as bactérias só morrem de morte matada, nunca de morte morrida.

A mais antiga DST
A morte morrida é uma doença sexualmente transmissível, até onde sabemos. Embora as bactérias sejam capazes de trocar genes entre si, o sexo de verdade é uma invenção dos chamados eucariontes, criaturas de células complexas e com núcleo organizado, como nós.

Os primeiros eucariontes, porém, tinham uma célula só, tal como muitos de seus descendentes modernos. Vários desses eucariontes primitivos de hoje ainda fazem sexo apenas ocasionalmente (bem, alguns humanos também…). Normalmente eles se contentam com a boa e velha reprodução assexuada, dividindo-se em duas células. Mas, em momentos de escassez de comida ou estresse ambiental, eles parecem recorrer a uma estratégia diferente: duas células diferentes se unem e viram uma só, mais resistente que a soma das duas e capaz de “hibernar”, por assim dizer. Quando as coisas melhoram, a junção de células termina e elas voltam a se reproduzir assexuadamente, como sempre tinham feito.

Em algum momento do passado remoto (há mais de 1 bilhão de anos, com toda a certeza), alguns eucariontes mudaram de estratégia sem querer. Para todos os efeitos, a fusão entre as células que se uniam passou a ser permanente: elas deram origem a seres com dois conjuntos diferentes de material genético misturados para sempre (da mesma maneira que os seres humanos de hoje ganham metade de sua herança genética do pai e metade da mãe).

Parece uma mudança boba, mas é algo portentoso. A célula (e mais tarde o corpo) dessas novas criaturas, na prática, deixou de pertencer a elas. O objetivo perpétuo passou a ser a produção de células especializadas, com um único conjunto de DNA, capazes de se unir a outras células do mesmo tipo para gerar um novo adulto “duplo” e “misto”.

Esse adulto virou um mero intermediário. Forçando um pouco a barra, e olhando a coisa do ponto de vista dos animais (plantas e fungos fazem a mesma coisa de um jeito um pouco diferente), pode-se dizer que o nosso corpo deixou de ser imortal para que os nossos óvulos e espermatozóides, as tais células especializadas, ganhassem uma versão da vida eterna.

Furos no script
A boa notícia, ao menos para quem gostaria de adiar bastante ou até indefinidamente o próprio encontro com a morte, é que o limite imposto à vida pela reprodução sexuada é bem elástico. Tudo parece ser uma questão de estratégia: qual é a melhor maneira de se dar bem reprodutivamente? Como quase tudo nesse mundo, a resposta é “depende”.

Se você vive num ambiente pobre e/ou muito incerto, que alterna abundância com penúria extrema, e se você corre risco permanente de virar almoço, a coisa sensata a fazer é não perder tempo. Chegue à puberdade logo, transe loucamente, tenha bilhões de filhotes e, com o futuro genético assegurado graças a eles, pode bater as botas sossegado. É como aplicar na bolsa de valores: riscos altos, retornos idem.

Por outro lado, se você ocupa uma posição relativamente confortável, com comida sempre abundante e quase nenhum inimigo, não há razão para ter pressa. Você pode muito bem investir todo o seu tempo e paciência em poucos bebês, que crescem devagar e precisam de cuidados intermináveis – mas, quando chegam à sua idade, são quase invulneráveis. É como investir numa poupança ou previdência privada.

Como a velhice e a morte entram nessa equação? Como trade-offs, como se diz no jargão de biologia evolutiva, ou “compensações”, em linguagem de gente. Tudo indica que o envelhecimento não é um processo programado nos mínimos detalhes. Ele acontece em ritmo desigual, afetando alguns órgãos e tecidos em ritmo diferente do que afeta outros, por meio da acumulação aleatória, lenta e gradual de defeitos moleculares que vão minando as forças do organismo. Além do mais, a seleção natural, que sempre favorece os indivíduos mais capazes de se reproduzir, não deveria dar colher de chá para a infertilidade e a morte trazidas pelo envelhecimento. Então, por que ele ocorre?

Por que a seleção natural funciona, quase sempre, em termos de relação custo-benefício – os tais trade-offs. Em primeiro lugar, ficar corrigindo as falhas do organismo, assim como protegê-lo de ameaças externas, é caro. Exige um gasto substancial de energia preciosa, a qual poderia estar sendo direcionada ao objetivo máximo da reprodução, também muito custoso energeticamente. O organismo tem de “escolher” (se é que se pode usar essa palavra ao falar de algo que não tem consciência) – e acaba escolhendo ter bebês a ficar eternamente sem celulite ou problemas cardíacos.

Dois outros problemas importantes e relacionados têm a ver com a maneira como certas características genéticas aparentemente ruins se manifestam. Sabemos que alguns dos piores males ligados à velhice, como as doenças de Alzheimer e Parkinson, osteoporose, enfermidades cardíacas etc. quase sempre se manifestam tarde na vida, embora estejam sob influência de componentes genéticos que estão no lugar desde a concepção. São bombas-relógio biológicas, por assim dizer.

Mas, por só detonarem muito tarde, elas têm pouco impacto sobre o sucesso reprodutivo dos organismos-bomba. É perfeitamente possível ter montes de filhos e morrer de Alzheimer aos 70 anos – tendo passado adiante para a prole a predisposição genética para um dos piores males da velhice. A seleção natural deixa de valer – e em muitos casos pode até favorecer o DNA que causa o problema, caso ele tenha um efeito benéfico na juventude, o que parece ser o caso de muitos genes ligados ao metabolismo energético. São genes de dois gumes como eles que ajudam a criar o envelhecimento.

O que acontece, no entanto, se o equilíbrio de trade-offs é modificado com o aparecimento de uma estratégia que privilegia o longo prazo, e não o curto prazo? Por sorte, a natureza já fez essa experiência para nós. Pequenos mamíferos terrestres, como os camundongos, em geral vivem só dois ou três anos; mas bichos de tamanho e metabolismo comparável, como pequenos morcegos, podem viver até 30 anos. (As aves pequenas também vivem muito mais do que os roedores.) Qual a diferença entre esses bichos? Asas, ora. A capacidade de voar faz dos morcegos presas bem menos fáceis do que os camundongos, e assim eles têm um incentivo para viver vidas mais longas.

Matusaléns esfomeados
Experimentos em laboratório, envolvendo o vermezinho C. elegans (o da foto ao lado), moscas-das-frutas e camundongos, tornam essa história ainda mais fascinante. Uma série de pesquisas realizadas ao longo da década passada verificou de forma impressionante o que acontecia quanto os trade-offs eram modificados colocando, por exemplo, essas criaturas sob uma dieta muito rigorosa, o chamado regime de restrição calórica (no qual os bichos passam fome, mas não chegam a ficar desnutridos porque a comida é pouca porém balanceada); “desligando” genes que controlam o metabolismo energético e o crescimento; e esterilizando os animais.

A interpretação dos resultados ainda é controversa, mas os dados em si deixam pouca margem de discussão. Em poucas palavras, passar fome sem ficar desnutrido parece transformar os C. elegans em verdadeiros Matusaléns. Os bichos conseguem viver 90 dias (normalmente, morrem após duas semanas de vida) – o equivalente de um humano com mais de 600 anos. Efeitos parecidos acontecem quando as células reprodutivas dos bichos são extirpadas com laser. Curiosamente, no caso dos vermes que vivem sob restrição calórica, assim como entre as moscas e roedores, surge uma associação entre passar fome e ficar infértil.

É quase como se o organismo, confrontado com a impossibilidade de deixar descendentes, direcionasse todas as suas energias para a autopreservação, na esperança de que condições melhores permitam, algum dia, que ele possa ter descendentes. Aparentemente, a modificação alimentar – ou sexual/metabólica – envia sinais bioquímicos em cascata que modificam todo o funcionamento da criatura.

Neste momento, experimentos parecidos estão em curso em macacos resos, com resultados ainda preliminares. No entanto, se o que se vê em roedores se repetir nesses primatas, parentes muito próximos do homem, não é difícil prever uma corrida para tentar simular, em humanos comilões, os mesmos efeitos bioquímicos da restrição calórica – se é que isso é possível.

Algumas figuras mais afoitas, como o pesquisador britânico Aubrey de Grey, falam até em usar os conhecimentos obtidos com esses estudos para criar uma “engenharia da imortalidade”: vencer os trade-offs evolutivos no próprio jogo deles para impedir o acúmulo de danos moleculares e celulares e aumentar drasticamente a nossa expectativa de vida.

No momento, o objetivo da imensa maioria dos pesquisadores sérios é bem menos ambicioso. Eles acreditam que os estudos com animais podem nos ajudar a criar um novo tipo de velhice, com mais qualidade de vida e menos medo de males degenerativos e incapacitantes. Vamos supor, no entanto, que as idéias de Grey sejam viáveis. A questão, nesse caso, fica fora dos limites da ciência: será que devemos engenheirar nossa própria imortalidade? 

Fonte: G1
Por: Reinaldo José Lopes

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