
A celebração acontece em um lugar privilegiado, o palco, onde personagens clássicos são homenageados. Assim, como num flash, de um movimento de corpo ressurge a determinada Maria do Carmo, de Rainha da Sucata; a inflexão de voz muda e aparece Clô Hayalla, de O Astro; finalmente, uma gargalhada denuncia a presença da viúva Porcina, de Roque Santeiro. “Ali está um resumo da minha trajetória artística”, comenta Regina Duarte, que rememora grandes papéis de sua carreira na peça Raimunda, Raimunda, que estreia quinta-feira, no Centro Cultural Banco do Brasil do Rio de Janeiro.
Trata-se de um momento especial pois, com o espetáculo, Regina inicia as comemorações de seus 50 anos de carreira, que contarão ainda com uma exposição de fotos e imagens a ser aberta no Centro Cultural Correios, também no Rio, em agosto, e com o lançamento de um livro biográfico. “Festejo minhas investigações na dramaturgia e na interpretação”, diz a atriz de 65 anos. Na verdade, o número redondo inclui também a fase amadora, quando, com 14 anos, ela interpretou o Palhaço de O Auto da Compadecida, de Ariano Suassuna – profissionalmente, sua carreira começou em 1965, tanto na TV Excelsior, atuando na telenovela A Deusa Vencida, de Ivani Ribeiro, como no teatro, na montagem de A Megera Domada, de Shakespeare, sob direção de Antunes Filho.
“Nunca planejei nada, mas sempre agarrei tudo furiosamente”, fala ela, que conversou com o Estado na quarta-feira passada, antes de um ensaio de Raimunda, Raimunda. Escrita em 1973 pelo piauiense Francisco Pereira da Silva (1918-1985), a peça mantém resquícios vanguardistas ao apresentar, no primeiro ato, a história de Ramanda e Rudá, casal que vive em um futuro catastrófico quando a tragédia ecológica extinguiu vários animais e o oxigênio é vendido em cápsulas. “Só depois que fechamos a data de estreia é que percebemos que aconteceria logo depois da Rio+20”, observa Regina. De fato, havia uma coincidência de vozes naquele momento, pois, do lado de fora do CCBB, manifestantes tomavam as ruas do centro do Rio criticando o retrocesso ambiental resultante do encontro entre chefes de Estado.
Regina descobriu a peça em 2009 e logo se apaixonou. Apesar da estranheza do texto – no segundo ato, ela interpreta outra Raimunda, cearense feia e com lábio leporino, que decide encarar problemas ao se mudar para o Rio na década de 1940 -, sentiu-se atraída pela familiaridade com momentos da sua carreira.
“A peça tem uma heroína que me fascina, mulher forte, decidida, que enfrenta a situação. Toda mulher sonha com essa força. Raimunda é da mesma família da Maria do Carmo, Porcina e Clô, que é, aliás, sua irmã gêmea”, conta. “O texto também tem um humor que remete à malícia de Ariano Suassuna, à malemolência da prosódia nordestina, que, por sua vez, me faz lembrar de meu pai, militar cearense.”
Eram tantos pontos familiares que Regina decidiu não apenas interpretar, mas também dirigir a peça que, com a mostra, chega a São Paulo no segundo semestre.