A maior parte da água disponível no sertão nordestino é salobra. Ela é ruim de gosto e provoca doenças, mas muitas vezes, não tem outra para beber. Agora, no Rio Grande do Norte, há uma tecnologia que retira os sais da água e está melhorando a vida das pessoas.
Paisagem árida, pasto seco e o poço perfurado, nunca funcionou. Mesmo para o sertanejo, acostumado a longos períodos de estiagem, ficou difícil conviver com um cenário assim.
Agricultura
O assentamento, na zona rural de Mossoró, no Rio Grande do Norte, tem hoje ares de abandono. As promessas de lavoura irrigada não se concretizaram e a maioria dos moradores foi embora para cidade. Um ou outro ainda tenta manter a criação.
Para beber, os moradores esperam os sais e resíduos da água assentar na caixa. Só depois, leva para cozinha, onde coam com um pano antes de colocar no pote.
O açude que abastece a comunidade Fartura é o maior do município. Mesmo assim, o nível dele já está bem baixo. Quanto mais baixo, mais salobra a água fica.
Isso porque o solo e o subsolo de Mossoró são formados por rochas calcárias, que têm uma grande quantidade de sais. Que não são como os do mar, que dão origem ao sal de cozinha. São principalmente sais de cálcio e magnésio. São esses sais que deixam a água do local salobra.
Gilberto Jales, geólogo e gerente de recursos hídricos do município, explica que um outro fator também contribui para isso. É que na região tem mais evaporação do que chuva. “Temos uma média anual em torno de 600 milímetros a 650 milímetros por ano, contra uma evaporação acima de 2000 milímetros. Então, a gente costuma dizer que aqui chove pra cima. Essa evaporação faz com que rapidamente a água que evapora acabe concentrando esses sais.”
Água potável
Em outro assentamento, o Fazenda Nova, vivem cerca de 80 famílias. Nem bem o dia amanhece e a fila pra pegar água começa a se formar. Vale tudo para levar a água. Água potável, boa e doce, como dizem os moradores. Graças a um equipamento: o dessalinizador.
O equipamento funciona da seguinte maneira: a água salobra passa por um sistema de "pré-filtro" e segue para uma bomba de altíssima pressão. A água ganha força para passar pelas membranas, uma espécie de filtrão poderoso, que só permite a passagem da água pura, sem sais.
“Para você ter uma idéia essa membrana tem uma capacidade de filtrar, reter uma partícula, como por exemplo, uma bactéria. Seria algo como 0,01 micra. Um micra seria mais ou menos um milímetro dividido por mil. Não passa nada”, afirma o geólogo.
Assentamento
Depois de passar pelas membranas, a água potável vai para uma caixa e a que sobra com os resíduos, chamada "rejeito", vai para a outra. A prefeitura de Mossoró em parceira com órgãos do Governo Federal já instalou unidades como esta em 51 das 110 comunidades rurais do município.
Para manter o sistema funcionando é essencial treinar alguém da comunidade para cuidar de tudo. No assentamento, o escolhido foi o Cezinaldo Crizóstemo, mais conhecido como César. Ele opera a máquina e organiza a distribuição da água. Cada família tem direito a 40 litros por dia e não adianta chorar.
“Se eu der bobeira, eles vêm e leva tudo. Eu falo não pode, porque se eu fizer pra você, vou fazer pra todo mundo, não posso abrir para ninguém”, diz César.
Para ter direito à água potável, as famílias pagam R$ 3 por mês. Dois vão para o César e um para o caixa da associação de moradores. A água que sobra com resíduos, o rejeito, os moradores podem levar à vontade. Como ela não é muito concentrada, pode ser usada para irrigar a lavoura, para os afazeres domésticos e até para matar a sede dos animais, que acabam não tendo outra alternativa.
Investimento
A implantação do dessalinizador, com toda infra-estrutura necessária, custa em torno de R$ 40 mil. “Se fosse água doce atrás, eu não tinha tirado 144 pedras de dentro de mim. Da vesícula”, conta Marineide Maria Azevedo, agricultora.
Aliás, pedra na vesícula é assunto recorrente na região. “Eu vou fazer uma cirurgia de vesícula agora essa semana. Estou com quase um milhão de pedra, a vesícula virou uma pedra”, revela Raimundo Rivanir da Silva, agricultor.
Dona Vera Lúcia Crizóstemo guarda até hoje a pedra que tirou da vesícula. “Ele (o médico) disse que é da água salgada. Eu sentia aqui tudo cheio, e uma dor aqui debaixo da costela, ficava sentada aqui e não agüentava de tanta dor”, lembra ela.
As unidades de saúde de Mossoró recebem um grande número de pacientes com pedra nos rins, na vesícula, porque os sais de cálcio favorecem a formação desses cálculos. E por causa do magnésio, a água salobra também pode dar dor de barriga.
Hoje, dona Vera Lúcia e Seu Antonio não têm medo nenhum de servir um copo de água para visita. Servem até cafezinho. Em algumas comunidades, a sobra da água salgada está sendo usada para criar peixes.
G1